Arquivo do mês: outubro 2009

A CEREBRALIZAÇÃO DO AUTISMO

AutismoA partir do texto “A cerebralização do autismo: notas preliminares” de Rossano Cabral Lima¹ e sua participação via skype na aula do dia 27 de outubro, discutiremos o autismo, suas causas e história.

¹ Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1995), mestre em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2004) e é doutorando pelo IMS/UERJ, com doutorado sanduíche no Instituto Max Planck de História da Ciência (Berlim, Alemanha). Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Psiquiatria, atuando principalmente nos seguintes temas: psiquiatria infanto-juvenil, saúde mental, psicopatologia, disturbio da falta de atenção com hiperatividade e autismo infantil.

O autismo e suas causas atingem destaque na contemporaneidade nos debates intelectual e científico por se acreditar que “desvendar o enigma do autismo pode resultar em decifrar o próprio enigma – do que nos faz ser quem somos” (LIMA, 2007, p. 51).  A ascensão das neurociências de forma geral, renova a discussão do “lugar do mental versus o do cerebral em nossas origens, sejamos autistas ou não” (LIMA, 2007, p. 51).

Através de um recorte histórico, buscou-se descrever como a categoria de “autismo infantil precoce” ou “autismo de Kanner” transformou-se no que hoje podemos denominar de autismo cerebral. O que se observou foi que desde sua primeira descrição em 1940, por Leo Kanner, até hoje, o que modificou efetivamente foi sua “natureza”, e menos sua caracterização fenomênica (LIMA, 2007).

Em 1943, Kanner, que trabalhava em Baltimore, nos Estados Unidos, descreveu um grupo de onze casos clínicos de crianças em sua publicação intitulada “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo” (Autistic Disturbances of Affective Contact). As crianças investigadas por ele apresentavam inabilidade para se relacionar com outras pessoas e situações desde o início da vida (extremo isolamento), falha no uso da linguagem para comunicação e desejo obsessivo ansioso para a manutenção da mesmice. Apontava para um caráter inato do transtorno e ao mesmo tempo para articulação deste com a personalidade dos pais, considerada “fria”, “intelectualizada” e “distante”. Durante 30 anos foi esta última hipótese, a “psicogênica”, que dominou a abordagem do autismo no campo psiquiátrico. E, isso se dava, basicamente, pela enorme influência que a psicanálise mantinha na psiquiatria ocidental.

O autismo então era considerado “um transtorno localizado nas fundações psíquicas do indivíduo causado por anomalias no estabelecimento de suas relações objetais precoces, especialmente com as figuras parentais” (LIMA, 2007, p. 52). Inclusive, o nome autismo, utilizado por kanner para denominar este transtorno, vem da noção de “autismo” consagrada por Eugen Bleuler, como um dos principais sintomas da esquizofrenia. Daí a inclusão do autismo nas classificações internacionais da época (CID-9) como uma “psicose da infância”.

Apenas um ano após a publicação de kanner, em 1944, Hans Asperger, médico de Viena, escreveu o artigo “Psicopatia autística na infância”, onde descrevia quatro crianças com características muito semelhantes com os escritos de Kanner, porém com menores danos na linguagem. Descrevia a fala delas como sendo pedante, com inflexão de adulto, pouco senso de humor e invenção de palavras. Apegavam-se exageradamente a pessoas selecionadas, demonstravam pouco interesse aos contatos sociais e colecionavam objetos obsessivamente. No entanto, ao contrario de Kanner, Asperge atribuiu tais problemas a uma deficiência biológica, especialmente genética (ASPERGER, 1991 apud LIMA, 2007). No entanto, seu artigo permanecerá praticamente desconhecido até os anos 80, onde a “hipótese psicogênica” do autismo perderá sua força.

É somente a partir do final da década de 70 que o autismo começa a ser considerado como um transtorno de origem orgânica, causado geneticamente e caracterizado por alterações cerebrais. Caracterizando um déficit cognitivo em detrimento do déficit afetivo, até então difundido. Essa versão científica foi colocada quase como inquestionável, grande parte pelo apoio e financiamento de pais e familiares de autistas, descontentes com a “culpabilização” que o saber psicanalítico e sua popularização teriam lhe atribuído (LIMA, 2007).

É neste cenário, a partir de 1980 com a 3ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM III) que o autismo deixa de ser classificado como uma “psicose da infância” e passa a ser tratado como um “Transtorno Global do Desenvolvimento”. Mais recentemente, o CID-10 – Organização Mundial de Saúde (10ª classificação internacional de Doenças, 1994) o classifica (F84-0) como “Um transtorno invasivo do desenvolvimento , definido pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de 3 anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas : de interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo . O transtorno ocorre três a quatro vezes mais frequentemente em garotos do que em meninas.

A ascensão do autismo cerebral

Durante a década de 60 as teses psicanalíticas sobre o autismo já vinham sofrendo duras críticas, o próprio Kanner em 1968 declarou: “É reconhecido pelos observadores, exceto por um pequeno número que está atrasado por um distanciamento doutrinário, que o autismo não é, em sua origem, algo adquirido ou uma doença criada pelo homem” (KANNER apud AMY, 2001 apud LIMA, 2007).

Entretanto, é apenas nos anos de 1970 e início dos 80 que a quebra da hegemonia das correntes psicodinâmicas na psiquiatria do autismo será assistida.  Desde então, as poucas referências feitas à psicanálise, principalmente na literatura de língua inglesa, considerando os EUA como principais expoentes desse movimento, enfatizavam o “equívoco da atribuição da causa do quadro aos pais, mostrando o quanto essa idéia tornou-se quase sinônimo de descrição psicodinâmica do autismo” (LIMA, 2007, p. 57).

Outros autores são ainda mais diretivos quando apontam que a teoria antes descrita, foi completamente desacreditada e que as pesquisas atuais sugerem como as causas do autismo, modificações neuroanatômicas e neurofisiológicas determinadas geneticamente (MOORE E JEFERSON, 1996 apud LIMA, 2007).

Neste contexto, no que diz respeito ao campo psicológico, gradualmente as ciências cognitivas passam a substituir a psicanálise como principal influencia na área psiquiátrica. Tais teses inauguram um novo campo de pesquisas e práticas no que tange o autismo, mas, sobretudo, são mais um ponto de sustentação para as hipóteses cerebrais do autismo. “Para se obter reconhecimento e recursos para pesquisa dentro do campo que apresenta como “neurociência”, não basta edificar um construto teórico coerente – é preciso haver um cérebro por trás lhe proporcionando validade” (LIMA, 2007, p. 59).

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A partir de uma analise dos trabalhos dos principais pesquisadores no campo, Lima (2007) assinala que é no tecido neural que se tem buscado as origens do autismo e é em sua neuroanatomia que a maioria das pesquisas se concentra. Aponta, também, que apesar da inconsistência e dificuldade de generalização da maioria dos estudos o autismo atual é tratado como um autismo cerebral.

Traz como um importante questionamento, a possibilidade de abarcar em nossas práticas o autismo cerebral. Defende que entendendo o sujeito como um “sujeito cidadão, um sujeito de singularidades e um sujeito biológico, preservando, a autonomia e a irredutibilidade de cada um desses registros subjetivos a qualquer outro, não será impossível incluir a noção de autismo cerebral em nosso universo de interesse, pois isso não significará adesão acrítica a seus pressupostos” (LIMA, 2007, p. 62).

Lima termina dizendo:

Sabemos que a vida psíquica não cabe no cérebro, mas tampouco cabe em qualquer outro constructo, discurso ou matéria tomados isoladamente. Nesse jogo em busca das origens do autismo e de tudo que nos faz humanos, nem todas as abordagens são compatíveis ou partilham da mesma ética, mas não estamos em condições de dispensar nenhuma das peças do tabuleiro (2007, p.63).

O QUE OS PRINCIPAIS SITES SOBRE AUTISMO ESTÃO DIVULGANDO:

COMPORTAMENTO DO INDIVÍDUO COM AUTISMO

(SEGUNDO A ASA – ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE AUTISMO)

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(Disponível em: www.autismoinfantil.com.br)

CRITÉRIOS PARA DIAGNÓSTICO DO AUTISMO (CID-10) (WHO 1992)

Pelo menos 8 dos 16 itens especificados devem ser satisfeitos.

a. Lesão marcante na interação social recíproca, manifestada por pelo menos três dos próximos cinco itens:

1. Dificuldade em usar adequadamente o contato ocular, expressão facial, gestos e postura corporal para lidar com a interação social.

2. Dificuldade no desenvolvimento de relações de companheirismo.

3. Raramente procura conforto ou afeição em outras pessoas em tempos de tensão ou ansiedade, e/ou oferece conforto ou afeição a outras pessoas que apresentem ansiedade ou infelicidade.

4. Ausência de compartilhamento de satisfação com relação a ter prazer com a felicidade de outras pessoas e/ou de procura espontânea em compartilhar suas próprias satisfações através de envolvimento com outras pessoas.

5. Falta de reciprocidade social e emocional.

b. Marcante lesão na comunicação:

1. Ausência de uso social de quaisquer habilidades de linguagem existentes.

2. Diminuição de ações imaginativas e de imitação social.

3. Pouca sincronia e ausência de reciprocidade em diálogos.

4. Pouca flexibilidade na expressão de linguagem e relativa falta de criatividade e imaginação em processos mentais.

5. Ausência de resposta emocional a ações verbais e não-verbais de outras pessoas.

6. Pouca utilização das variações na cadência ou ênfase para refletir a modulação comunicativa.

7. Ausência de gestos para enfatizar ou facilitar a compreensão na comunicação oral.

c. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos dois dos próximos seis itens:

1. Obsessão por padrões estereotipados e restritos de interesse.

2. Apego específico a objetos incomuns.

3. Fidelidade aparentemente compulsiva a rotinas ou rituais não funcionais específicos.

4. Hábitos motores estereotipados e repetitivos.

5. Obsessão por elementos não funcionais ou objetos parciais do material de recreação.

6. Ansiedade com relação a mudanças em pequenos detalhes não funcionais do ambiente.

d. Anormalidades de desenvolvimento devem ter sido notadas nos primeiros três anos para que o diagnóstico seja feito.

DSM-IV

Importante:

As informações a seguir servem apenas como referência. Um diagnóstico exato é o primeiro passo importante em qualquer situação; tal diagnóstico pode ser feito apenas por um profissional qualificado que esteja a par da história do indivíduo.

A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2), e (3), com pelo menos dois de (1), e um de cada de (2) e (3).

1. Marcante lesão na interação social, manifestada por pelo menos dois dos seguintes itens:

a. Destacada diminuição no uso de comportamentos não-verbais múltiplos, tais como contato ocular, expressão facial, postura corporal e gestos para lidar com a interação social.

b. Dificuldade em desenvolver relações de companheirismo apropriadas para o nível de comportamento.

c. Falta de procura espontânea em dividir satisfações, interesses ou realizações com outras pessoas, por exemplo: dificuldades em mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse.

d. Ausência de reciprocidade social ou emocional.

2. Marcante lesão na comunicação, manifestada por pelo menos um dos seguintes itens:

a. Atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem oral, sem ocorrência de tentativas de compensação através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímicas.

b. Em indivíduos com fala normal, destacada diminuição da habilidade de iniciar ou manter uma conversa com outras pessoas.

c. Ausência de ações variadas, espontâneas e imaginárias ou ações de imitação social apropriadas para o nível de desenvolvimento.

3. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes itens:

a. Obsessão por um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse que seja anormal tanto em intensidade quanto em foco.

b. Fidelidade aparentemente inflexível a rotinas ou rituais não funcionais específicos.

c. Hábitos motores estereotipados e repetitivos, por exemplo: agitação ou torção das mãos ou dedos, ou movimentos corporais complexos.

d. Obsessão por partes de objetos.

B. Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3 anos de idade:

1. Interação social.

2. Linguagem usada na comunicação social.

3. Ação simbólica ou imaginária.

C. O transtorno não é melhor classificado como transtorno de Rett ou doença degenerativa infantil.

(Disponível em: www.ama.org.br)

FORMAS DE TRATAMENTO

Não existe um tratamento padrão universalmente aceito para o autismo , cada método tem seus críticos . Estes métodos de tratamento se agrupam em categorias ou grupos generalizados :

  • Bioquímico (alergias a comidas, medicação , alimentação e suplementos vitamínicos);
  • Neurosensorial (integração sensorial (SI) , sobreestimulação e aplicação de padrões , integração auditiva (AIT) , comunicação facilitada (FC) , terapias relacionadas com a vida diária);
  • Psicodinâmico (terapia de abraços, psicoterapia e psicanálises , opção instituto, que também se enquadra em Condutivista);
  • Condutual (Ensaios Incrementais (Lovaas e outros) , modificação da conduta com ou sem castigos , TEACCH).

(Disponível em: www.autismo-br.com.br/home/terapias)

Descrição e críticas a alguns dos tratamentos mais difundidos para o autismo:

TEACCH – Tratamento e educação para crianças autistas e com distúrbios correlatos da comunicação. O TEACCH foi desenvolvido nos anos 60 no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos, e atualmente é muito utilizado em várias partes do mundo. O TEACCH foi idealizado e desenvolvido pelo Dr. Eric Schoppler, e atualmente tem como responsável o Dr. Gary Mesibov. O método TEACCH utiliza uma avaliação chamada PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado) para avaliar a criança levando em conta os seus pontos fortes e suas maiores dificuldades, tornando possível um programa individualizado. O TEACCH se baseia na organização do ambiente físico através de rotinas organizadas em quadros, painéis ou agendas – e sistemas de trabalho, de forma a adaptar o ambiente para tornar mais fácil para a criança compreende-lo, assim como compreender o que se espera dela. Através da organização do ambiente e das tarefas da criança, o TEACCH visa desenvolver a independência da criança de modo que ela necessite do professor para o aprendizado, mas que possa também passar grande parte de seu tempo ocupando-se de forma independente. Uma crítica ao TEACCH é que ele supostamente ‘robotizaria’ as crianças.

ABA – Análise aplicada do comportamento. O tratamento comportamental analítico do autismo visa ensinar à criança habilidades que ela não possui, através da introdução destas habilidades por etapas. Cada habilidade é ensinada, em geral, em esquema individual, inicialmente apresentando-a associada a uma indicação ou instrução. Quando necessário, é oferecido algum apoio que deverá ser retirado tão logo seja possível, para não tornar a criança dependente dele. O primeiro ponto importante é tornar o aprendizado agradável para a criança. O segundo ponto é ensinar a criança a identificar os diferentes estímulos. A principal critica ao ABA é também, como no TEACCH, a de supostamente robotizar as crianças. Outra critica a este método é que ele é caro.

PECS – Sistema de comunicação através da troca de figuras. O PECS foi desenvolvido para ajudar crianças e adultos autistas e com outros distúrbios de desenvolvimento a adquirir habilidades de comunicação. O sistema é utilizado primeiramente com indivíduos que não se comunicam ou que possuem comunicação, mas a utilizam com baixa eficiência. O PECS visa ajudar a criança a perceber que através da comunicação ela pode conseguir muito mais rapidamente as coisas que deseja, estimulando-se assim a comunicar-se.

A CONTRAPARTIDA

A partir dos anos 80 o campo dá voz, também, aos autistas. A organização desses, tendo em vista a bioidentidade e neurodiversidade gera novas demandas, que estão incluídas no campo das diferenças e não de um transtorno. Surge então um movimento de pessoas consideradas autistas para que seus diferentes modos de estar na vida sejam considerados diferentes e não mais uma patologia. O que confronta com a posição das Associações de pais e Organizações de autistas que consideram o autismo como doença e cada vez mais reivindicam tratamentos e estudos, centrados, principalmente, na questão cognitiva, como por exemplo: investimentos em técnicas pedagógicas/ comportamentais e na pesquisa genética.

Aqui no Brasil ganha força o Movimento Orgulho Autista Brasil em defesa da neurodiversidade.

(ler reportagem da Folha online “Movimento diz que autismo não é doença” –http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u4159.shtml)

REFERÊNCIAS

LIMA, R. C.. A cerebralização do autismo: notas preliminares. In: Couto, Maria Cristina Ventura; Marinez, Renata Gomes. (Org.). Saúde Mental e Saúde Pública: Questões para a agenda da Reforma Psiquiátrica. 1 ed. Rio de Janeiro: FUJB-NUPPSAM/IPUB/UFRJ, 2007, v. 1, p. 55-72.

Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde; 10ª revisão. São Paulo: EDUSP; v.2, 1994.

www.ama.org.br acesso em 28/10/2009.

www.autismoinfantil.com.br acesso em 28/10/2009.

www.autismo-br.com.br/home/terapias acesso em 28/10/2009.

SUGESTÕES

Filmes e documentários: “Loucos de amor/ Mozart and the Whale” de Petter Naess; “O nome dela é Sabine” de Sandrine Bonnaire; “Rain Man” de Barry Levinson.  

Por: Daísa De Martin e Glicia Pandolfi Gonçalves.

Usos e discursos sobre a Ritalina no Brasil.

Na aula do dia 20 de outubro contamos com a presença da pesquisadora Cláudia Itaborahy ¹ – via skype.  As questões aqui discutidas baseiam-se na análise e exposição de sua tese de mestrado “Usos e Discursos sobre a ritalina no Brasil”.  
 

Ritalina: psicoestimulante de afetamina

Ritalina: psicoestimulante derivado de afetamina mais consumido do mundo.

No Brasil, a produção de metilfenidato passou de 40 kg em 2002 para 226 kg em 2006. Este aumento da produção interna acompanha um fenômeno mundial. O principal argumento encontrado nos textos sobre a Ritalina, para justificar o elevado aumento da produção e consumo do metilfenidato no Brasil, é uma maior divulgação do TDAH, tanto para médicos quanto para o público em geral. Embora seja um medicamento comercializado desde os anos 50, a Ritalina ficou conhecida nos últimos anos por sua associação ao TDAH.  

É importante destacar que o uso da Ritalina não está vinculado diretamente ao diagnóstico de TDAH, o medicamento não é recomendado em todos os casos em que o transtorno é diagnosticado. Entretanto, os efeitos rápidos na remissão dos sintomas de hiperatividade e desatenção, dentre outros fatores, faz com que o medicamento seja a primeira opção terapêutica para os problemas de atenção que comparecem nas escolas, na clínica ou nos ambientes de trabalho.  

E o que se compreende por “atenção”? O que subjaz no entendimento “déficit de atenção?” 

É importante alinhavarmos a via terapêutica que o medicamento constitui e a produção de modos de vida que compõem a sociedade contemporânea. A multiplicação de diagnósticos de TDAH aponta para a importância de certas normas de nossa cultura e para a dificuldade em atender as expectativas que elas encarnam: necessidades de autocontrole e concentração diante das solicitações e exigências ao mesmo tempo mutáveis e que não param de cessar, além de um bom desempenho social. O problema é diretamente colocado como incidindo sobre a atenção que é requerida no processo de realização das tarefas. Não à toa a escola comparece estabelecendo relações de causalidade entre sintomas e fracasso escolar, solicitando um sentido para os “desajustes” dos alunos na taxação do diagnóstico.  A utilização do medicamento como principal via terapêutica aponta para um funcionamento da atenção na subjetividade contemporânea que não é tratado como um problema de ordem moral, sendo antes tomado como um transtorno que exige tratamento (Crary, 2001 apud Kastrup 2008).  

Diller (1996, apud Itaborahy, 2008) sugere que, cada vez mais, a sociedade tem interpretado problemas de desempenho como doenças. Além disso, o papel tanto das revistas psiquiátricas quanto da grande mídia tem se referido, via de regra, ao transtorno como um distúrbio neurológico, validando assim o uso do medicamento para o tratamento. Trata-se de produções da compreensão do que sejam doença e sofrimento baseados em um modelo fiscalista da realidade corporal. 

Dupanloup (2004, apud Itabprahy,2008), nos propõe interrogamos não somente a validação científica das origens do TDAH, mas também as “condições sociais  de sua difusão” (p.13). “Quem publica hoje no Brasil sobre este transtorno e seu tratamento está necessariamente inserido em um grupo de pesquisa. Existem hoje cinco principais grupos de pesquisas sobre o TDAH, todos sendo participantes da ABDA” (p.13). Os grupos são: GEDA (Grupo de Estudos de Déficit de Atenção, ProDAH (Projeto de Déficit de Atenção e Hiperatividade – adultos), Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, ADHDA (Ambulatório para Distúrbios Hiperativos e Déficit de Atenção, e UNIAD/UNIFESP (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas. Cabe ressaltar que todos estes grupos têm ligação com laboratórios farmacêuticos, seja por meio do recebimento de patrocínios, ou por contar com autores que são palestrantes destes laboratórios. Sendo assim, temos aí um conflito de interesses.

O financiamento dos laboratórios fabricantes para as pesquisas sobre os seus produtos não é um problema em si mesmo. Pesquisas necessitam de financiamento, laboratórios necessitam assegurar seu produto e suas vendas. Mas o fato de os resultados das pesquisas sempre coincidirem com o aumento de usuários de medicamento faz com que levantemos questões sobre a ética das pesquisas. Com a possibilidade de um direcionamento dos resultados tão presente com a participação direta dos laboratórios, inclusive como autores, acreditamos que os conflitos de interesse não deveriam deixar de ser apresentados, questionados, controlados e avaliados, por se tratarem de questões éticas graves. O suplemento do JBP sobre o TDAH na prática clínica, de 2007, é inteiramente patrocinado pelos laboratórios: dos artigos às propagandas. Como afirmar que existem outras formas de aliviar o sofrimento dos sujeitos em tal contexto? 

A autora propõe pensarmos a respeito destes grupos de apoio ao TDAH existentes, haja visto que a vinculação entre ritalina e TDAH tem aparecido cada vez mais como uma descoberta verdadeira e natural. Todavia, cabe atentar para o jogo de forças, para as questões  políticas, sociais e econômicas que estão implicadas nestes usos e discursos da ritalina.  Além disso chama a atenção para o monopólio dos meios de comunicação destinados aos especialistas. De acordo com sua análise existem fatores problemáticos: facilidade em publicar material cujo conteúdo casa com os pressupostos biológicos que não são compartilhados por todos os especialistas; e a veracidade da opinião ser balizada pela quantidade de publicações.

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Outro ponto interessante de se observar diz respeito a impressa brasileira estar bastante vinculada às publicações de jornais e revistas estrangeiros, sobretudo inglesas e norte-americanas. Tal questão é problemática se considerarmos que tal globalização onde a informação corre de mão única, pode calar especificidades e resistências ao discurso hegemônico.  

Há que se ressaltar, entretanto, que as discussões sobre os usos da ritalina e sobre o diagnóstico do TDAH, apontam não para a evidência de uma descoberta sacralizada, e sim para um campo em aberto, onde o consenso não está instaurado (na contramão do que evidenciam as publicações especializadas analisadas por Itaborahy).  

Observa-se, por exemplo, que os efeitos colaterais do medicamento ritalina são tratados de forma bem distinta pela comunidade científica e imprensa leiga, prevalecendo na primeira uma tendência a contrapor os efeitos colaterais aos inúmeros benefícios do medicamento e na segunda a exposição dos riscos aparece mais aberta, crítica e heterogênea. 

Caliman (2006), atenta para a produção do que ela chamou de “biologia moral da atenção”, que se revela na intensificação dos estudos de atenção e no seu controle e gestão, tomados como objeto pelas tecnologias morais, sociais, econômicas, médicas e psicológicas. Atenta ainda para o fato de que os “diagnósticos médicos e psiquiátricos raramente emergem e se legitimam apenas como resultados de descobertas científicas, sendo produtos circunstâncias históricas e sociais complexas, internas e externas ao campo médico” (p.565).

Há que se levar em conta que o aumento da produção de medicamentos acompanha, para além do interesse econômico, uma demanda de alívio e sentido. A autoridade outorgada à medicina e suas especialidades faz circular discursos que favorecem uma compreensão “biologizante” das perturbações . A banalização psiquiátrica parece advir de uma ampliação e penetração dos diagnósticos nas perturbações mais ou menos cotidianas da vida das pessoas. Há que se discutir e resistir ao processo de ampliação desmensurada dos diagnósticos e da medicalização da vida que vem se produzindo no contemporâneo. 

SUGESTÕES DE LEITURA: 

Caliman, Luciana Vieira (2006). A biologia moral da atenção. A constituição do sujeito (des)atento. Tese de Doutorado não-publicada, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, RJ.

CALIMAN, Luciana Vieira (2008). O TDAH: entre as funções, disfunções e otimização da atenção. Psicol. estud.,  Maringá,  v. 13,  n. 3, Sept.  2008 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141373722008000300017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23 jun. 2009.  doi: 10.1590/S1413-73722008000300017. 

KASTRUP, Virgínia (2005). Políticas cognitivas na formação do professor e o problema do devir-mestre. Educ. Soc.,  Campinas,  v. 26,  n. 93, dez.  2005 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010173302005000400010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 23  jun.  2009.  doi: 10.1590/S0101-73302005000400010.

Kastrup, V. (2004). A aprendizagem da atenção na cognição inventiva. Psicologia & Sociedade, 16(30), 07-16.

POR CRISTIANE BREMENKAMP, ELLEN HORATO E ALINE TRAVAGLIA.

Insônia e Transtorno de Pânico: Doenças da Sociedade Contemporânea

A sociedade contemporânea está sempre em intenso movimento. A vida tenta acompanhar a velocidade da produção das informações e o mundo agitado, o que leva a uma corrida desenfreada para atingir às exigências e ideais quase inalcançáveis impostos ao sujeito! O contexto da luta pela sobrevivência e dentro do mercado de trabalho muitas vezes leva o indivíduo a se submeter ao excesso de cobranças, a um ritmo acelerado e à alta competitividade. O controle sobre o tempo tornou-se uma arte necessária, como relata Pereira, 2003:

”Cada vez menos está previsto parar. O ócio tornou-se uma falha de caráter ou traço criticável de um sujeito, de um grupo ou de uma nação. Dormir parece ir na contracorrente da história. Tempo é dinheiro e não há tempo a perder.”

Surge então um paradoxo: o sono, que agora  pode ser visto tanto como situação de desvantagem em relação à concorrência, quanto necessário como forma de restabelecer e recuperar o corpo para a jornada de trabalho do dia seguinte.

Como reflexo de todo esse contexto emergem sintomas típicos da contemporaneidade como a insônia, que acaba trazendo sofrimento. Nesse sentido, entram em cena então os medicamentos, necessários a tornar os sujeitos aptos a produção, competição, e consumo, controlando o ritmo de trabalho e o rendimento.

“Remédios para dormir e remédios para manter-se desperto, apesar da exaustão física e psíquica, convivem lado a lado no mercado psicofarmacológico, retratando uma patética condição de mal-estar e de contradição interna de nossa cultura.” ( SANTOS, 2007)

Paralelamente ao problema de insônia, existem outros males do mundo contemporâneo, dentre os quais podemos citar a síndrome do pânico e as fobias, transtorno de déficit de atenção e hiperatividades, dor crônica, e distimias.

Devido a essa necessidade de agilidade, as formas de se relacionar acontecem de forma cada vez mais superficial e passageira, acompanhando a velocidade e ritmo da internet.  O sentimento de não pertencimento e o desamparo social ficam cada vez mais acentuados, devido a não enquadramento nos modelos ideais da sociedade vigente, que, entretanto apresenta até uma forma de ser desviante, como explicitado a seguir:

“(…) a cultura, de certa maneira, nos fornece regras para as formas de sofrimento psíquico, ou seja: não se é louco como se quer, mas com base nas regras ditadas por uma rede discursiva social. Dessa maneira, acreditamos que seja essencial, na exploração das matrizes culturais do pânico, pensar que nossa cultura contemporânea nos fornece regras para os sujeitos sentirem pânico. “

No caso da crise de pânico, é caracterizada por uma sensação de perda de controle, e uma impressão física de morte. Os sintomas presentes no DSM IV se referem a: sensação de estar sufocado ou ter um bolo na garganta, mãos e pés molhados e frios, formigamentos nos braços, pernas ou nos rostos, zoeira, zumbido ou pressão nos ouvidos, suor ou tremedeira generalizada. Essa perda de controle muitas vezes está associada ao sujeito não saber distinguir o que sente. O diagnóstico pode trazer um pouco mais tranqüilidade, pois já consegue identificar o que sente, é uma confirmação externa para seu sofrimento. Essa tranqüilidade pode vir por acreditar que se trata de uma doença geneticamente determinada, não é fresca, ou louca! Sendo assim pode haver uma desculpabilização do sujeito, e por consequência uma passividade, uma vez que essa síndrome é vista pela classe médica como genética e unicamente orgânica.

De posse desse diagnóstico, e em busca de proteção e acolhimento, pode acontecer uma identificação dos sujeitos através de suas patologias, uma “identidade sindromica”, como afirma Santos, 2007. Nesses grupos os sujeitos trocam experiências e informações, e constroem uma rede de solidariedade. A diferença é que em algumas dessas biossociabilidades não se oferecem apenas como um abrigo, um lugar de pertencimento, mas também estimulam o sujeito não se acomodar, a buscar uma ressignificação de seus sintomas, o restabelecimento de sua normatividade, um outro sentido para o conceito de saúde.

 

Por Lorrayne Pires, Mariana Romaneli, Roberta Gaier

Conversas e controversias: uma análise da constutuição do TDAH no cenário científico e educacional brasileiro

Convidada da aula de terça feira, 06 de outrubro de 2009: Clarice Sá Carvalho

Busca- se nesse trabalho analisar como vem se dando as formas de entender o TDAH, tudo isso procurando compreender os contextos sociais e cientifico da atualidade.

Nos últimos tempos, no Brasil, ocorreu uma expansão social do diagnóstico de TDAH, tal fato legitimou, principalmente no campo da educação, o TDAH como sendo uma das causas para o comportamento inapropriado de alguns alunos. Neste contexto é interessante analisar as práticas dos educadores em relação aos problemas de comportamentos dos alunos. As queixas dos professores e o encaminhamento de alunos, com possível TDAH, para psiquiatras podem mascarar uma escola que não repensa suas práticas.

De acordo com o site Wikipédia “Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico,inicialmente relacionado a uma lesão cerebral mínima. Nos anos 1960, devido à dificuldade de comprovação da lesão, sua definição adquiriu uma perspectiva mais funcional, caracterizando-se como uma síndrome de conduta, tendo como sintoma primordial a atividade motora excessiva e o déficit de atenção, já aparece na primeira infância, quase sempre acompanhando o indivíduo por toda a sua vida”. O aumento do número de casos diagnosticados e o tratamento medicamentoso tem o parecer científico – mesmo que ainda não seja universal, devido às diversas opiniões e estudos sobre o assunto – e, por isso, talvez tenha tanta credibilidade social. Isso pode estar conectado a uma cultura bem presente em nossa sociedade cujas falas absolutas dos saberes científicos, muitas vezes, não são questionáveis. 

O diagnóstico se dá pela via clínica sendo na maioria das vezes dado pelo psiquiatra, que geralmente receita tratamento com remédios tais como a Ritalina e Concerta. Ele ocorre por via clinica, pois não há nenhum exame ou teste que se possa comprovar o TDAH.

Um dos sintomas do TDAH é a desatenção e, uma questão muito discutida foi o conceito de atenção. O mundo contemporâneo busca uma atenção focalizada e, por isso, as queixas de que as crianças não prestam atenção, não aprendem. Dessa forma, prefere-se uma discussão limitada a um transtorno a ter que analisar toda a uma situação sócio-histórica e também, ao mesmo tempo, atual que perpassa na vida. A atenção fala como as pessoas se envolvem com o mundo e das coisas que dão prazer. E, por isso, é muito difícil generalizar as situações, já que aquilo que dá prazer, geralmente, não é aquilo que a sociedade espera. Por exemplo, uma criança na aula que se atenta com outras questões que não seja a aula. Dificilmente, será discutido o prazer ou desprazer sentido por ele pela aula, culpabilizando a suposta desatenção da criança. O que se espera, principalmente das crianças, é a interiorização das regras externas e quando isso não acontece, há algum problema em questão. 

“A escola é também o lugar no qual os sintomas do TDAH se tornam mais explícitos. A criança deve obedecer às normas compartilhadas por outras crianças e sua atenção é requerida de maneira mais sistemática e por períodos mais longos… Se a hiperatividade, a desatenção e a impulsividade são comportamentos comuns, apresentados por todas as crianças, é o seu excesso que se torna patológico. Portanto, o nível de tolerância social para determinados comportamentos em uma instituição normativa, como a escola, participa nos deslocamentos e redefinições das fronteiras entre o que é normal e o que é patológico.” (Carvalho)

No Brasil existe a associação brasileira do déficit de atenção (ABDA) que conta com membros tais como: médicos psiquiatras, familiares de portadores e também portadores de TDAH. Essa associação é patrocinada pelas empresas farmacêuticas Novartis, responsável pela produção da Ritalina, e Janssen-Cilag, que produz o Concerta. O site disponibiliza muitas informações sobre o transtorno de forma acessível. Apresenta muitas histórias em forma de depoimento, defendendo o caráter científico e biológico do TDAH.

Apesar de ter muitas informações sobre o TDAH, mesmo sendo diferentes, é importante ler de forma muito crítica e analisar tudo que é recebido sobre isso. Dentre elas, há mitos, equívocos…, e, por isso, devem ser tomados alguns cuidados. Vale essa dica!

http://www.tdah.org.br/ link ABDA

http://www.youtube.com/watch?v=8ETE5i3OhKg vídeo sobre TDAH doutor Paulo Mattos

http://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_do_d%C3%A9ficit_de_aten%C3%A7%C3%A3o_com_hiperatividade Wikipedia

POR Fabiane Cruz Gama Aires e Rafaela Gomes Amorim

Uma Análise Epistemológica do Diagnóstico de Depressão

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A depressão é o 2° maior problema de saúde pública, e é considerada a doença dos tempos atuais, refletindo a relação que a sociedade estabelece com o bem viver.

E ai, a pergunta que nos vem é, o que mudou dos tempos passados para estes? As pessoas, o mundo ou os sintomas que foram descobertos?

A depressão se configura como uma experiência subjetiva criada em todo e qualquer agrupamento humano, por este motivo deve ser analisada de forma extremamente cuidadosa através de uma perspectiva pluralista, ou seja, uma análise grupal e compreendida em suas diferentes dimensões, biológica, fenomenológica, psicodinâmica, cultural, sócio-histórica e ambiental, segundo Benilton Bezerra.

Os estudos científicos atestam que a baixa da serotonina esta envolvida diretamente com os sintomas depressivos, entretanto, uma doença psiquiátrica não apresenta “marcadores biológicos” como as doenças infecto-contagiosas, ou seja, para estas é possível  identificar através de exames a existência de bactérias ou parasitas, já para a primeira isto não ocorre, pois este “marcador biológico” está ausente. Assim, o que permite a explicação da depressão não é o diagnóstico e sim a sua terapêutica. Interessante pontuar que há ai uma inversão, neste tipo de doença é através dos medicamentos que se inicia a busca por uma causa explicativa.

Logo, mesmo havendo inconsistência nas informações referidas à causa da depressão e a sua localização no cérebro, os estudos dedicados a produzir novos anti-depressivos não cessam e aumentam a cada dia.

Os psicotrópicos permitem criar a ilusão de que as patologias mentais em geral, e os sofrimentos psíquicos em particular, ingressaram na lógica da localização própria dos estudos anatomo-patológicos.” (Caponi, 2009).

A realidade traduz um panorama onde a maioria das prescrições medicamentosas da depressão não é feita por psiquiatras, mas pelos mais diversos profissionais da área da medicina, acarretando numa certa banalização do tratamento da doença, pois outorga a ela apenas um fator corpóreo.

Dessa forma é consideravelmente fácil responder a seguinte pergunta: Por que a depressão se tornou uma epidemia?

A ausência de um olhar mais apurado acerca de uma perspectiva pluralista sobre a depressão, e em contrapartida, um predominante saber médico onde os sujeitos são examinados apenas por um viés biológico, como sujeitos cerebrais, produz uma popularização do diagnóstico desta doença. Além disso, a ambigüidade científica, ou seja, a falta de limites epistemológicos bem definidos para esta patologia permite a multiplicação desses diagnósticos, que podem ou não ser verdadeiros.

Somado a isso, a normatização do bem estar também aparece como um potencializador da depressão, pois o modelo de sujeito autônomo que é vendido hoje mostra indivíduos regulados pelo bem estar absoluto, onde o sofrimento é intolerado e perde a sua “utilidade”. “Criar a ilusão de que viver é indolor” (Caponi, 2009 apud Valenrim, 2007). Além disso, o caráter de liberdade atualmente construído perpassa de forma incisiva a subjetividade, o que configura o sujeito como único e maior responsável de seus atos e decisões.

Entretanto, o ser humano, como ser complexo e múltiplo, mas não onipotente, não consegue dar conta de tudo, ou seja, é impossível a ele permanecer em um papel utópico e ideal de vida perfeita. Isso se configura como reflexo dos principais motivos e sentimentos característicos da depressão, a insuficiência do viver, o esvaziamento da existência e o prevalecer da incerteza.

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Quando a gente pode desejar tudo, numa sociedade que prega a liberdade e a autonomia, a gente se perde, e não sabe mais o que desejar.

Por Ana Carolina Porfírio, Daniele Bahia e Renata Gastmann.