O Uso Racional de Medicamentos e a Razão das Indústrias Farmacêuticas

Falamos em redes, rizomas, agenciamentos. Falamos em um poder que não pertence a alguém, nem habita alguém (ou é habitado por). Falamos em um poder que se dá nas relações, descentralizado, de maneira que todos somos produtores do sistema no qual vivemos. Todos somos usinas dos processos maquínicos de produção de subjetividade, e falamos tanto nisso que tomara que saibamos do que estamos falando. Falamos também no uso dos discursos do saber médico, do quanto não somos vítimas, do quanto não há meros vilões a culpabilizar, e do quanto fazemos parte das redes através das quais o saber médico se fortalece e se expande em nossa sociedade. Nietzschianos que somos, falamos em resistências que não sejam vingativas, reativas, buscamos problematizar sem moralizar, e assim abordamos a medicalização e a medicamentação.

No entanto, não somos preguiçosos em nossas cartografias, e não vamos cair nos micro-fascismos de planificar os processos, ricos em relvos, que cartografamos. Não podemos, portanto, deixar de dizer também que a medicamentação crescente de nossas vidas, apesar de não ter causação unívoca, também não é efeito de diversos vetores de mesmo valor e natureza. São diversos os fatores, e quando algum deles se faz onipresente, quando se insere nesta rede por todos os cantos e de maneira enfática, permeando determinado agenciamento “por todos os poros”, convém que nele nos detenhamos.

A palestra do Subsecretário de Gerenciamento de Projetos da Secretaria Estadual de Saúde, Silvio Machado, ocorrida no dia primeiro de outubro de dois mil e dez, com o tema “Política Farmacêutica no Contexto da Cultura da Pílula

e da Mercadização da Saúde“, nos chamou atenção principalmente pela forma como ele apresentou o conceito de “Uso Racional de Medicamento”. Achamos que uma forma interessante de abordar este tema seria problematizando as intervenções das indústrias farmacêuticas, em todas as etapas envolvidas na vida de um medicamento, para a reflexão: Existe algum uso de medicamento, neste contexto, que possa ser denominado “Racional”?

Não podemos negar que, por mais que nossas ações influenciem positiva ou negativamente os efeitos das propagandas de remédio, a mídia tem um poder de grande peso na produção das subjetividades medicamentadas que consumimos com freqüência. As indústrias farmacêuticas influenciam a escolha do consumidor, da população de usuários dos serviços de saúde, que muitas vezes já vão a um atendimento clínico na expectativa de receber a receita do remédio tal. E se um médico se recusa a obedecer prontamente a tal demanda, a fila anda.

Ainda há os representantes das indústrias, com seus catálogos atraentes e retóricos, pagos para buscar convencer aos médicos de que aquele remédio (mas EXATAMENTE o daquela marca) é cientificamente mais apropriado para aquele quadro clínico (mesmo que nada de fato embase tal afirmação no quadro da ciência), e que pra ajudar, ainda o médico fica com uma parte de cada remédio por ele receitado. Atraente e retórico!

Estes médicos também participam de congressos científicos, e não só o Silvio Machado mas também o Sérgio, quando esteve conosco em uma de nossas aulas, falaram sobre os Speakers. São profissionais contratados pelas indústrias farmacêuticas para fazer falas em congressos científicos, em auditórios cheios, no momento de perguntas de alguma palestra, e em suas falas tendenciosamente “vender um peixe de determinado PRODUTO”. Além disso há os stands, os brindes, e mesmo empresas que PAGAM A IDA DE CERTOS PROFISSIONAIS A DETERMINADOS CONGRESSOS! Ou seja, eu sou um médico, por exemplo, e quero ir a um congresso de Neurologia? SIM! A empresa fulana vai CUSTEAR minha participação no congresso. E esse bombardeamento de intervenções não vai interferir na prescrição?

Por fim, mais um exemplo de “noise” no processo: As empresas farmacêuticas financiam determinados experimentos, sobre determinadas doenças ou sobre determinados medicamentos, e as pesquisas apontam que determinados medicamentos são os mais indicados para determinadas doenças. Adivinha quem fabrica o remédio que tal pesquisa indica? A INDÚSTRIA QUE FINANCIOU O MEDICAMENTO. Nem mesmo dos dados científicos que embasariam determinados medicamentos podemos esperar total isenção dos interesses econômicos das indústrias que os fabricam.

Como posso fazer um uso racional de um medicamento se há uma (ou melhor, umas muitas) interferência(s) da fabricante na minha escolha do medicamento (através da mídia), na prescrição (de diversas formas, através do médico) e até mesmo no embasamento científico (através do financiamento de pesquisas).

Para piorar as coisas, as agências reguladoras, que decidem qual remédio está apto ou não ao CONSUMO (ou outras agências, como as que determinam quais remédios o estado vai dispensar – federal, estadual ou municipalmente), aprovam ou não certos medicamentos pondo critérios políticos acima de critérios técnicos. Por mais que estudos técnicos não tivessem comprovado que o Viagra se aplicava aos critérios demandados pela saúde brasileira, o alarde midiático foi tão grande, que a ANVISA se submeteu (como chegamos a discutir) ao papel de antecipar a sua aprovação. Quem decide não é quem dá o parecer, é quem ocupa o cargo de gestão, que é cargo permeado por esta dimensão do interesse econômico.

Se não nos atentarmos para o grande peso que este aspecto tem nos fenômenos da medicamentação, perdemos o bonde do “O que podemos fazer para fazer frente às descontroladas formas de consumo coletivo de remédios que imperam em nossa sociedade”. Será que os conselheiros de saúde de nosso estado e de nossos municípios têm pensado estes temas? Será que têm conhecimento do que as agências reguladoras responsáveis por essas tarefas têm decidido? Será que a população está ciente da atuação de seus representantes nos Conselhos de Saúde (e influenciando tal atuação)?

O debate se dá por todos os cantos, como o que tem ocorrido em nosso país sobre democratização da mídia. E para democratizar, não devemos deixar ainda mais centralizada nas mãos dos poucos que detém os grandes meios. A proposta é que a população controle democraticamente o funcionamento da mídia, e isso dá à população o direito de questionar se a publicidade de medicamentos é uma boa forma de financiar os meios de comunicação que, constitucionalmente, deveriam cumprir “função social”.

Outro debate interessante é sobre a entrada de capital privado em instituições de ensino e pesquisa públicas. Quando uma Universidade Federal, por exemplo, cede seu nome a uma pesquisa financiada por empresa privada (e tal financiamento compromete seu resultado desde o início) está legitimando uma etapa de cadeias de produção perigosas como a que queremos pôr em questão neste post. Não só na área dos medicamentos, a pesquisa pública não é garantia, mas é um fator importante para que caminhemos rumo à garantia de que o conhecimento produzido estará a serviço da população, dos usuários, e não do grande capital.

Esperamos que este atrasado post contribua para nos fazer pensar sobre a racionalidade no uso de medicamentos, e que este pensar esteja intimamente unido ao nosso agir. Uso racional não é uso sem emoção. O que aceitamos chamar pelo nome de uso racional é um uso pautado em critérios ética, estética e politicamente afinados com nossos compromissos em psicologia. Em uma psicologia da transformação. E a sanha acumuladora das indústrias farmacêuticas não está no rol das aliadas com as quais nos é possível compor redes.

 

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE (Aula do dia 04/10/2010)

Aproveitando a deixa da discussão sobre judicialização para postar comentário da aula do dia 04 de outubro, produzido no mesmo mês pelas atrapalhadas autoras que acabaram não o postando na época…

Já desde a primeira aula postada neste blog, em 25 de agosto de 2009 (direto do túnel do tempo), o termo medicalização já foi citado muitas e muitas vezes. Conrad, em seu livro “Medicalization of Society” (Medicalização da Sociedade) define o termo como uma tendência dos “problemas da vida” passarem a ser definidos como problemas médicos.

De fato, já em mais de um ano de blog, percebemos como questões das mais diversas vêm sendo debatidas, abordadas e tratadas em termos biomédicos, e não mais somente por imposição da figura do profissional médico. Dilui-se no discurso dos mais variados segmentos, setores e personagens da nossa complexa sociedade atual: vai do paciente que exige o medicamento às reportagens do fantástico sobre o novo gene descoberto, do representante da indústria farmacêutica às associações de portadores de determinado transtorno requerendo direitos especiais…

Aqui entra o tema do post de hoje: exatamente no universo de questões que surge no encontro da saúde e do direito.

No caso os artigos usados como ponto de partida para a Aula (“Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde” e “Caracterização de demandas judiciais de fornecimento de medicamentos “essenciais” no Estado do Rio de Janeiro, Brasil”, ambos de Vera Lúcia Edais Pepe e colaboradores) o foco está na intervenção judicial para o requerimento de medicamentos, baseando-se no direito do cidadão à saúde que, simultaneamente, configura-se como dever do Estado.

O direito à saúde se afirma no artigo 196 da constituição, assim redigido:

Seção II

DA SAÚDE

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Daqui, saímos com um dos grandes nós desta questão, também apontada por Pepe: Como é possível atender de forma universal às necessidades da saúde de pessoas e coletivos? As próprias diretrizes governamentais se baseiam em uma noção de saúde que abranja não só a ausência de doenças, mas um “completo bem estar”, que compreende fatores físicos, sociais, ambientais, políticos… e quantos mais forem necessários. Que tipo de medidas o estado poderia lançar mão para garantir “saúde” aos sujeitos que, em suas singularidades possuem necessidades das mais diversas para compor o referido estado de “bem estar” multideterminado?

…Às voltas pensando nestas questões, fomos parar no site do mistério, na seção “Saúde para você”. (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1391)

Nela, um cabeçalho começa nos falando:

“Este espaço do Portal Saúde reúne informações sobre políticas e ações do ministério para promover a saúde dos diversos segmentos da população brasileira. As políticas são baseadas no princípio do Sistema Único de Saúde de oferecer acesso integral, universal e gratuito ao sistema de saúde pública a todos os brasileiros, seja uma criança, uma pessoa com deficiência ou um trabalhador, entre outros perfis.”

E, logo abaixo, seguem nove quadrinhos, cada um referente a uma política direcionada a um “perfil” diferente (mulher, jovem e adolescente, pessoa com deficiência, criança, trabalhador, “saúde mental”, idoso, homem e “sistema penitenciário”)

Uma das principais questões discutidas nesta aula diz respeito à sobreposição que tem sido estabelecida entre o direito à saúde – garantida a todos pela Constituição Federal – e a saúde entendida como serviço, que uma vez pago, deve ser eficientemente prestado.

Apesar de ter em vista o objetivo de orientar a produção de saúde e traçar especificidades de grupos distintos da população, a própria noção de “perfil saudável” que aparece nos quadros acima inevitavelmente se confunde com uma linguagem própria ao marketing.

Não é raro encontrar pesquisas que se encarregam de identificar ações conhecidas pelos profissionais de saúde como um “mix de marketing” que proporcionem a conquista e manutenção de clientes. (Vejam, por exemplo, o artigo “O desenvolvimento do Mix de Marketing em clínicas e consultórios da área de saúde, disponível em: http://www.rimar-online.org/artigos/v2n2a4.pdf).

E quando tratamos de uma tecnologia poderosa como o medicamento, apontado por Jungues (2009) como um material produtor de saúde, vários são os apontamentos ponderando o aumento das ações que pleiteiam o medicamento no judiciário, tais como os indicados por Arielle Rocha (2010): o poder judiciário privilegiando direitos individuais em detrimento do coletivo; os gastos extras do Estado em razão dos julgamentos; o papel dos laboratórios farmacêuticos na produção ininterrupta dessas novas demandas; o direito à saúde cada vez mais relacionada ao consumo de medicamentos; a contraposição às diretrizes do SUS; etc.

As diversas questões que a aula suscitou relacionam-se em geral esta pergunta fundamental: Qual saúde tem sido demandada como direito?

A crescente demanda por acesso a medicamentos pela via de processos judiciais impetrados contra o Estado faz a discussão retornar: Como garantir as necessidades de saúde a pessoas e coletivo? Como não transmutar a lógica do lucro à lógica do bem estar em saúde?

Abrem-se questões…

Por: Cristiane Bremenkamp Cruz e Nathalia Domitrovic

CONRAD, Peter. The Medicalization of Society. Baltimore: Johns Hopkins, 2007.

PEPE, Vera Lúcia Edais et al . Caracterização de demandas judiciais de fornecimento de medicamentos “essenciais” no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro,  v. 26,  n. 3, Mar.  2010 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2010000300004&lng=en&nrm=iso&gt;.

VENTURA, Miriam et al . Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Physis,  Rio de Janeiro,  v. 20,  n. 1,   2010 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312010000100006&lng=en&nrm=iso&gt;.

 

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: VAMO FAZER ALGUMA COISA?

Segundo o artigo 196 da Constituição federal de 1988, “A saúde é um direito de todos e um dever do Estado”. O Sistema Único de Saúde (SUS) tem tido historicamente como bandeira essa princípio presente na constituição. E aos troncos e barrancos vários movimentos sociais (não só da área de saúde, mas de várias organizações as mais variadas) conseguiram aprovar uma série de medidas que “forçaram” o estado Brasileiro a investir, por meio do SUS, em saúde pública. E é a partir daí que o próprio SUS, com todos os seus defeitos e pendências, conseguiu se firmar como um aparelho estatal de grande serventia aos profissionais da saúde.

Nesse sentido, pensar em uma certa “judicialização” da saúde ,a princípio, pode até trazer uma certa de idéia de consciência crítica e reivindicatória por parte dos usuários, tendo em vista que o número de processos que o estado está tendo que responder em decorrência da “falta de remédios” só vai aumentando. Mas infelizmente, o que está acontecendo parece ser algo um pouco mais sutil e difícil de perceber.

Vejamos…

O estado Brasileiro, através do SUS, tem toda uma lista de remédios que estão disponibilizados para o consumo “gratuito” por todos os seus usuários. Mas temos vários casos de processos contra o estado em que o remédio prescrevido pelo médico não consta na lista. E daí que vem o processo (porque a saúde é um direito de todos lembra? No entanto, acontece muitas vezes que na lista do SUS existem remédios com eficácia muito semelhante (quiçá idêntica) em relação aos prescritos que simplesmente não são prescrevidos pelos médicos. Que nesse caso, por total desconfiança ou mesmo por opção “do mais caro”, prefere receitar outro remédio.

O que está em jogo cara leitor do blog? Bom, várias coisas. Mas tentarei citar algumas.

O que primeiramente salta aos meus olhos é a clara implicação política que muitos médicos e outros profissionais da saúde têm em toda essa problemática. E independente dos motivos pelos quais isso acontece (falta de informação, opção mesmo, etc.) o poder público acaba perdendo necessariamente terreno. Porque se existe um aparato estatal, público, conquistado com tanta luta e que é deixado de lado, temos aí um argumento forte para a) fortalecimentos de discursos que deslegitimam o poder público e b) fortalecimentos de setores não estatais (como as grandes indústrias farmacêuticas) que surgem com cada vez mais interesses puramente econômicos em torno da questão.

E o pior é que o próprio estado acaba caindo em um ciclo auto-destrutivo: “se o direito a saúde é um dever do estado e se o médico me receitou um remédio que não está na lista, eu tenho mais é que processar mesmo!”. Daí se desenrola uma problemática ainda maior: o estado pressionado pelo poder judiciário acaba tendo que comprar remédios (que tem seus similares na lista oficial do SUS) e ainda por preço muito mais caro. Porque se a compra é obrigatória, as empresas que fornecem podem (e é o que fazem) aumentar livremente seus preços porque sabe que o estado deve comprar.

Posso estar errado (realmente é uma coisa que dá um nó em nossa cabeça), mas percebam o movimento que se dá em tudo isso que eu falei: as políticas públicas, asseguradas pelo estado, e somadas (óbvio né) com interesses de grandes empresários da indústria da farmácia, acaba implodindo o próprio aparelho estatal!

Caramba! Em outras palavras, o estado Brasileiro acaba se vendo obrigado a pagar por algo que já tem em seus estoques!

Posso estar enganado outra vez caros blogueiros, mas penso que histórica luta pela afirmação e aprovação do SUS nos diferentes contexto históricos que esse pais já passou (a começar pela transição da ditadura rumo à democracia do governo Sarney, passando pela vexame do governo Collor, pelo entreguismo do governo FHC e pelos “avanços” do governo lula) não foi acompanhada de uma forte campanha de conscientização que o SUS tem para essa nação. Estou falando de formação política mesmo (principalmente dos médicos), de mega campanhas, de músiquinhas que não saiem do imaginário popular e que tenham a capacidade de nos levar a outro panorama quando o assunto for o Sistema Único de Saúde Brasileiro.

O que fazer então né? Sei que muitos já devem estar se perguntando…

Bom, acho que além da forte propaganda que eu citei, nós profissionais da saúde (sim, já acho que todos nós  somos  psicólogos há bastante tempo) temos que, cotidianamente contrapor todos esse discurso hegemônico que deslegitima com toda sua força o poder público. Porque se existe algo de pontencialmente bom nesse “público” que agente tanta fala, é justamente a sua propriedade de afirmar processos mais democráticos….populares!!!

Termino primeiramente agradecendo à colega de turma Cristiane Brememkamp (gente finíssima) com a qual tive uma conversa que foi basicamente a base desse texto (muita coisa que eu escrevi foi ela que me deu idéia, hahaha). E segundamente, à professora que aturou esse enrolado que vos escreve agora  por todo esse período.

E finalmente, com um trecho de uma música de uma banda capixaba chamada “Pé do Lixo”:

“FAÇA VOCÊ MESMO E PARE DE CHORAR!!!”

 

VALEU!

Anidalmon Morais Siqueira Filho!

“Projeto de Pesquisa – Autonomia de direitos humanos na experiência em primeira pessoa de técnicos e usuários em serviço de saúde mental: a experiência da Gestão Autônoma da Medicação (GAM)”. (Discussão da aula do dia 08/11/2010)

Em um contexto de Reforma psiquiátrica, deu-se início, a partir de um movimento social no Canadá, a Associação dos Grupos de Atendimento em Defesa dos direitos em Saúde Mental do Quebec (AGIDD-SMQ). O propósito dessa iniciativa é a problematização do uso da medicação psiquiátrica, em que se procura dar maiores informações aos usuários no que tange aos medicamentos utilizados, seus efeitos indesejáveis, e também não correlação do uso dos medicamentos com a melhoria de vida. Essa associação criou uma cartilha contendo essas informações e divulgou-a junto a população com problemas de saúde mental. Serviços alternativos do Quebec tem apoiado a Gestão Autônoma de Medicação com a disponibilização de atendimentos diversificados a essa população, em que se procura trabalhar para abrir um espaço de fala em torno da medicação.

O projeto de pesquisa multicêntrico UNICAMP-UFF-UFRJ-UFC está desenvolvendo um trabalho que visa à implantação da Gestão Autônoma da Medicação nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da rede pública de saúde. O objetivo desse projeto é “investigar, no contexto da reforma psiquiátrica brasileira, como a prática de prescrição e a experiência de uso dos psicofármacos pode ser vivida em um dispositivo de fomento da autonomia e da defesa dos direitos dos usuários nos CAPS” (texto do projeto).

Discute-se que o projeto canadense, além de estar desvinculado às políticas estatais, possui os seguintes objetivos com o trabalho: informação; problematização; e a desmedicalização dos usuários. O projeto realizado no Brasil diferencia-se, inicialmente, por ser uma proposta de trabalho na rede pública de saúde, além de intencionar a criação de uma co-gestão entre técnicos, usuários do serviço, especialistas e pesquisadores.

Esta co-gestão se daria em um momento em que é trazido para o grupo a experiência em primeira pessoa sobre o uso da medicação, como um dispositivo coletivo. Sobre essa experiência é importante fazer uma diferenciação, em que não se trata apenas da experiência de vida, no sentido de situações e conhecimentos vividos, mas também de uma experiência que ultrapassa aquilo que é apreendido do meio. Essa experiência deixa em suspenso o discurso normatizante para trazer à tona a elaboração do sujeito sobre o que é experienciado.

Com essa proposta objetiva-se dar voz ao sujeito que toma a medicação, em que importa produzir sujeitos de direitos e autônomos. Acredita-se que, a partir do momento que sujeito toma posse dessa experiência, produziria esse lugar de sujeito de direito e autônomo. Em que não é mais o especialista que fala “pelo” sujeito, mas sim ele falando por si mesmo. A autonomia que se trata aqui é no sentido de uma possibilidade de diferenciar-se, ter capacidade de se gerir e gerir o mundo.

Dessa forma, foge-se da concepção de um coletivo como normatização, em que se objetiva tornar iguais. Fala-se, por sua vez, de um coletivo em que as diferenciações produzem uma coletividade em que essas diferenças co-existam nos espaços.

Esse grupo não possui uma finalidade, como o projeto canadense, uma vez que se parte da idéia de que não se sabe o que irá surgir da experiência desses sujeitos. Essa idéia nos faz questionar relações de poder que estão colocadas nos mais diversos espaços, em que não se pergunta até onde uma pessoa, dita especialista, pode dizer SOBRE a experiência do outro. Nós mesmos não sabemos o quanto esse saber especialista foi incorporado por nós, ou seja, não sabemos identificar o que é da nossa experiência e o que foi dito sobre ela.

  • Trazemos aqui trechos do filme: “O Solista” (Diretor: Joe Wright)

Filme O Solista

Jussara Soares e Vanessa Fiorotti

“RODA DE CONVERSA SOBRE MEDICAMENTOS: Construindo significados para o uso racional com usuários de um serviço de saúde mental” (Discussão da aula do dia 26/10/2010)

O medicamento é uma tecnologia da saúde com implicações médicas, sociais, econômicas, antropológicas e epidemiológicas (SEVALHO, 2003). O consumo de medicamentos aumentou significativamente a partir de meados do século XX devido ao crescimento da indústria farmacêutica, ao desenvolvimento de novos fármacos, à ampliação do acesso, à modificação de hábitos culturais e clínico-terapêuticos, além do acelerado processo de mercantilização da saúde e medicalização da sociedade (MAGALHÃES; CARVALHO, 2003; SEVALHO, 2003). Esse cenário impõe a necessidade de reflexão sobre a qualidade do consumo de medicamentos e a promoção de seu uso racional, ou seja,“pacientes devem receber a medicação adequada às suas necessidades clínicas, nas doses correspondentes aos seus requisitos individuais, durante um período de tempo adequado e ao menor custo possível para eles e para a comunidade”(de acordo com a Organização Mundial da Saúde (2002, p.1).

A Lei Orgânica da Saúde 8.080/90 (BRASIL, 1990) inclui no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, buscando a promoção, proteção e recuperação da saúde. Com esse objetivo foi criada em 1998 a Política Nacional de Medicamentos (BRASIL, 1998), que apresenta como uma de suas diretrizes a promoção do uso racional de medicamentosenfatizando, entre outras questões, o desenvolvimento de processos educativos para os usuários sobre os riscos da automedicação, interrupção e substituição de medicamentos prescritos. Na saúde mental sãofrequentes a prescrição de muitos medicamentos (polifarmácia), a interaçãomedicamentosa, o sofrimento dos usuários com efeitos adversos, a não adesão ao tratamento e o uso abusivo dos medicamentos. Em virtude disto, observa-se a necessidade de orientação de usuários e familiares quanto à ação dos medicamentos, seus efeitos e forma de utilização.

Dentre os usuários do Centro de Referência em Saúde Mental (Cersam) Teresópolis, localizado no município de Betim, Minas Gerais, encontra-se com facilidade exemplos de uso inadequado dos medicamentos: uso de quantidades inadequadas (sub ou sobredosagens); administração diferente da posologia prescrita; automedicação; trocas de medicamentos entre familiares e vizinhos; uso de psicofármacos concomitante ao uso de álcool e outras drogas. Observando essa situação e diante dos freqüentes questionamentos dos usuários do Cersam Teresópolis em relação aos seus medicamentos e dos insucessos terapêuticos devido ao uso incorreto a psicóloga e a farmacêutica dessa instituição pensaram na construção junto aos usuários de um espaço de conversa e orientação sobre os medicamentos. Assim iniciou-se em janeiro de 2009 a Roda de Conversa sobre Medicamentos, emBetim.O Centro de Referência em Saúde Mental Jéferson Peres Pereira – Cersam Teresópolis localiza-se no município de Betim, Minas Gerais, no bairro Jardim Teresópolis, o qual possui aproximadamente cento e noventa mil habitantes e é caracterizada pela baixa renda e violência, principalmente relacionada ao tráfico de drogas. O Cersam Teresópolis é considerado um CAPS II e atende a adultos portadores de sofrimento mental moderado e grave.

O município possui três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) para adultos, sendo um deles com funcionamento vinte e quatro horas diárias nos sete dias da semana, e um CAPS para o atendimento de crianças e adolescentes. Em Betim os CAPS são denominados como Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam). Os CAPS são serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, são unidades de saúde regionalizadas, que contam com uma população adscrita definida, integrados a uma rede descentralizada e hierarquizada de cuidados em saúde mental. Constituem-se como porta de entrada da rede de serviços para as ações relativas à saúde mental, além de atenderem também a pacientes referenciados de outros serviços de saúde. O CAPS é considerado um dispositivo de referência e tratamento para portadores de transtornos mentais graves -psicoses, neuroses severas e demais quadros, em situação de crise – cuja intensidadee/ou persistência justifiquem sua permanência num lugar que visa o cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. Como regra geral, este serviço deve atender àquela população que ocuparia os hospitais psiquiátricos; mas eles têm suas particularidades: devem ser um serviço aberto, humanizado, que dispensem cuidados constantes e respeitosos a sua clientela, enfocando a integração do doente mental na comunidade e sua inserção social.

Uma característica fundamental do CAPS é o trabalho em equipe, uma proposta antimanicomial na medida em que busca articular eagregar saberes. A clínica do CAPS acontece, predominantemente, no coletivo, no social. No Cersam, privilegiam-se os espaços de convivência, as oficinas, as assembléias, enfim, as atividades em grupo. Esse predomínio do coletivo está arraigado ao conceito de clínica ampliada, que constitui um ‘trabalho clínico que visa o sujeito e a doença, a família e o contexto, tendo como objetivo produzir saúde e aumentar a autonomia do sujeito, da família e da comunidade,utilizando como meios de trabalho: a integração da equipe multiprofissional, a adscrição de clientela e construção de vínculo, a elaboração de projeto terapêutico conforme a vulnerabilidade de cada caso e ampliação dos recursos de intervenção sobre o processo saúde-doença’(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004, p. 45).

A Roda de Conversa foi pensada a partir dos objetivos da clínica ampliada como uma possibilidade de maior integração da equipe e interação com os usuários, para efetivar ações resolutivas que contribuam para o tratamento dos sujeitos que buscam o CAPS. Desta forma, a Roda de Conversa sobre Medicamentos tem o objetivo de contribuir para a adesão dos usuários do Cersam Teresópolis ao tratamento, formando uma consciência crítica em relação aos riscos e benefícios advindos do uso de medicamentos, elevando a qualidade e efetividade da terapia medicamentosa econtribuindo decisivamente para a melhoria das condições de saúde e qualidade de vida. Assim, promove-se a racionalidade do uso dos medicamentos por meio de processos de educação em saúde, formando sujeitos mais autônomos, que se apropriam de seus tratamentos e se co-responsabilizam por estes.Perguntas norteadoras na Roda de Conversa são o gatilho da reflexão coletiva e da interpretação das experiências de cada um a respeito dos seus medicamentos. Quem aceita o convite entram na Roda. Além dos pacientes em PD, os demais técnicos do serviço podem convidar pacientes em tratamento ambulatorial que poderiam se beneficiar ao participarem das conversas, assim como os familiares que queiram saber mais sobre a contribuição dos psicofármacos para o tratamento ou simplesmente se aproximar de seu familiar também no contexto do Cersam/tratamento.

As conversas duram de 60 a 90 minutos,os recursos utilizadossão variados a fim de facilitar a comunicação e a interação entre os participantes naquele período e a condução das Rodas é realizadapor duas profissionais, o que possibilita que todos os encontros sejam cuidadosamente registrados em livro específico, construindo dessa forma um importante arquivo para o Cersam, assim como para todos os profissionais do serviço a respeito das principais questões dos usuários da saúde mental relacionadas aos medicamentos.

As Rodas de Conversa promovem sensibilização e motivação no que diz respeito, principalmente, aos medicamentos e à necessidade do seu uso racional, visando também conscientizar o paciente em relação ao tratamento, incitandoa reflexão da responsabilização de cada um com o uso dos medicamentos e, consequentemente, responsabilização com o seu tratamento. São abordados assuntos que dizem respeito a grande parte da clientela atendida pelo Cersam Teresópolis, a qual tem em comum a vulnerabilidade determinada pelo contexto social, econômico e clínico no qual se insere, pois para realizar algum trabalho com uma comunidade é preciso considerar a realidade em que ela vive.  A Roda de Conversa sobre Medicamentos busca escutar o outro, a particularidade da outra pessoa portadora de sofrimento mental que fala de si. Muitas vezes, uma experiência relatada na roda pode ser fundamental para outra experiência singular, gerando a possibilidade de reflexão e mudança.

As coordenadoras buscamuma postura democrática, fazer circular a palavra, assim como ajudar aos participantes a desconstruir pré-concepções estabelecidas ao longo dos anos. Busca-se escutar a experiência dos pacientes, como eles vivenciam a questão do uso dos medicamentos, o que eles sentem,o que pensam em relação ao seu uso contínuo e por tempo indeterminado, dentre outras questões que surgem. Na roda o canal da palavra deve estar continuamente aberto. Cada um pode falar a partir do seu ponto de vista, das suas dificuldades, dos seus êxitos, das suas razões, apontando que não há uma única verdade, uma única razão. Nesse sentido, a Roda é um espaço de diálogo e de troca, de socialização das experiências.É preciso criar um clima de respeito onde os participantes se sintam a vontade pra relatar suas vivências de modo que não tenham receio de serem ridicularizados ou desqualificados pelos outros membros do grupo. No contrato o tema do sigilo deve ser abordado e discutido pelos participantes, de forma respeitosa.

Nos primeiros encontros as manifestações dos usuários começam tímidas, demoram a acontecer, mas à medida que a participação torna-se freqüente ou é compreendido o objetivo da conversa, as palavras vêm à tona, as interrogações aparecem e as experiências são socializadas. Alguns, após longos anos em contato com o tratamento em saúde mental, aprendem a reconhecer os medicamentos e adquirem um vasto conhecimento sobre os psicofármacos disponíveis, conhecem sua denominação comum e os nomes de marca, suas concentrações e efeitos. Falam sobre o que já tomaram, o que lhes fez bem ou mal. Na Roda os participantes são incentivados a conhecerem suas prescrições médicas, instigamos sua curiosidade a respeito do próprio tratamento para que se aproprie dele e possa intervir, são orientedos a buscar essas informações na farmácia, com os médicos, com a equipe de enfermagem ou com seus técnicos de referência,enfatizando a necessidade do diálogo com todos os profissionais do serviço para o estabelecimento do diagnóstico e de um projeto terapêutico eficaz para cada um.As principais queixasrecorrentemente apresentadas estão relacionadas aos efeitos adversos, principalmente do uso dos antipsicóticos.Os efeitos dos medicamentos são explicados relacionando-os com os sintomas dos transtornos mentais, busca-se trazer esperança e encontrar paciência com a informação que os efeitos dos medicamentos sobre a atividade sexual dos usuários, assim como outras reações adversas, tendem a diminuir com o tempo de uso e esclarece-se sobre a individualidade com a qual cada organismo responde à interação com as substâncias, tornando cada tratamento singular.

Procura-se motivar os pacientes a refletirem sobre o que eles mesmos podem fazer para lidar melhor ou buscar uma alternativa diante dos efeitos indesejados das medicações.Soluções simples paraalguns efeitos colaterais são construídas com o coletivo: ingerir bastante líquido, frutas e verduras para amenizar o ressecamento das mucosas e a constipação; uso de filtro solar, bonés e hábitos diferentes para a fotossensibilidade; e exercícios físicos para o ganho de peso e o desânimo, dentre outros. Os usuários valorizam e mostram os benefícios que a ocupação traz, seja trabalhando, seja fazendo tarefas domésticas, lendo, escrevendo ou costurando. Essas questões trazem à tona o debate sobre o que faz parte do tratamento. As coordenadoras retiram o medicamento do foco para ampliar a visão, já que os medicamentos devem ser vistos como coadjuvantes no tratamento.

Especificamente entre os usuários da saúde mental, além da visão dos medicamentos como solução para tudo, também é possível perceber a idéia de que todos ou muitos dos problemas que surgem após o uso dos psicofármacos são tidos como efeitos adversos e creditados na conta desses medicamentos. A partir dessas constatações, trabalha-se na Roda a desmedicalização da vida. Retoma-se a naturalidade das respostas do corpo diante das adversidades do cotidiano. O que explica, por exemplo, muitos dos casos relatados de insônia mesmo com o uso de hipnóticos e sedativos, mas associados a perdas e angústias. As profissionais chamam a atenção dos usuários quanto à integralidade da saúde.  Muitas das ações que são propostas para a melhoria do tratamento na saúde mental trazem benefícios para a saúde em geral.

Também são alvos de comentários nas Rodas os medicamentos clínicos, sua importância e o cuidado que também requerem. Aproveita-se para alertar quanto à relevância do acompanhamento clínico dos pacientes nas unidades básicas de saúde, pois muitas vezes os pacientes dos serviços de saúde mental são vistos e se vêem apenas como mentes que têm problemas, esquecendo que possuem também um corpo que precisa de cuidados. Um assunto difícil para a compreensão dos usuários é o tempo do tratamento na saúde mental. Muitos esperam a cura, o momento quando não precisarão mais de medicamentos ou psicoterapias. Em relação a isso as coordenadoras fazem analogias com patologias conhecidas por todos, muito freqüentes na sociedade e mesmo entre os pacientes do Cersam, como diabetes e hipertensão. Assim como muitos dos transtornos mentais, essas doenças não têm cura, mas podem ser controladas e precisam ser monitoradas.

A questão religiosa é algo constantemente presente nas falas, às vezes relacionada aos delírios, e várias vezes relacionada às justificativas elaboradas pelospacientes e seus familiares para esse tipo de doença que eles não conseguem explicar. Talvez essa seja a situação mais complexa e difícil para a abordagem da psicóloga e da farmacêutica, pois os medicamentos utilizados na saúde mental são muitas vezes associados às drogas ilícitas devido à capacidade de provocar dependência, ou seja, nas palavras dos usuários, “viciar”. A abordagem da importância do uso racional dos medicamentos traz para a discussão da Roda a necessidade de se observar os efeitos terapêuticos das substâncias prescritas, a forma como os organismos interagem e reagem aos medicamentos, desenvolvendo, algumas vezes e de formas variadas, adaptações e tolerância. Busca-se salientar os fatores sociais e comportamentais envolvidos na dependência, além do determinante bioquímico.

Um dos fatos mais interessante que as conversas despertam é a percepção de cada usuário sobre o quanto eles mesmos conhecem sobre sua saúde e podem ajudar os outros com seu conhecimento e até sendo exemplos a serem seguidos. É surpreendente, inclusive para as coordenadoras, quando os pacientes demonstram conhecimento sobre si, suas crises, e que podem atuar de forma mais ativa sobre seu processo de saúde- doença. O grupo temajudado na reflexão sobre o quão necessária é a farmacoterapia para cada paciente. Esseespaço aberto à fala e à escuta pode possibilitar uma nova forma de percepção quanto ànecessidade do uso racional dos medicamentos. As discussões nas Rodas de Conversa sobre os medicamentos ajudam aos usuários a construir um novo olhar em relação ao tratamento, compreender que é preciso passar por fases nesse processo e que, gradualmente, é possível retornar às atividades cotidianas. Nota-se a satisfação em cada conquista alcançada, como por exemplo, redução dos dias da PD, voltar a jogar bola, retornar gradativamente às atividades laborais ou mesmo iniciar novas atividades nunca antes experimentadas, como em alguns casos, conversar mais com familiares e a inserção em atividades artísticas e culturais. Observa-se maior adesão ao tratamento medicamentoso, o que contribui muito para o projeto terapêutico individual.

A Roda de Conversa sobre Medicamentos colabora com a promoção da saúde, pois é um espaço para educação em saúde e formação de sujeitos mais autônomos; trabalha com a prevenção do uso incorreto de medicamentos e suas conseqüências; além de contribuir para a efetividade do tratamento de cada usuário. No Cersam Teresópolis a Roda é considerada como mais uma possibilidade de intervenção junto aos pacientes. Vários profissionais deste serviço encaminham seus pacientes, compreendendo os possíveis benefícios advindos das reflexões construídas na Roda. Esse espaço de discussão compreende ações pedagógicas, terapêuticas e clínicas de forma simultânea a cada Conversa sobre os Medicamentos. A Roda tem um potencial pedagógico na medida em que desencadeia um processo de aprendizagem a partir das reflexões sobre as experiências relativas ao uso racional de medicamentos. O envolvimento de duas trabalhadoras de um mesmo serviço de saúde mental, mas com profissões distintas propicia a multiplicidade do olhar, além de contribuições e orientações que se complementam. O trabalho multiprofissional promove a integração entre trabalhadores e a construção de um novo saber.

Uma questão importante trazida pela Roda é que, a partir dos relatos de suas experiências, os usuários tornam-se educadores em saúde, dividindo seu saber tanto com outros usuários quanto com as coordenadoras, que aprendem muito além da teoria farmacológica no exercício da alteridade. A experiência das Rodas de Conversa confirma a relevância da comunicação, da informação e do conhecimento para a autonomia dos atores, tendo a educação em saúde como principal estratégia de ação (COELHO, 2008). As ações de educação em saúde permitem aos usuários apropriar-se dos problemas e de suas soluções, preservando a identidade de cada membro que, através da interação com o outro, da diversidade de olhares, se abre para a negociação, cria um novo olhar e instaura novos valores. Mesmo na loucura, o direito de cada um a se expressar, a ser ouvido e levado em consideração, precisa ser respeitado. A participação efetiva dos usuários em seustratamentos permite encontrar soluções mais concretas, adequadas e viáveis (COELHO,2008).

Quando se trabalha em busca de promover, proteger e recuperar a saúde em seu conceito amplo, a participação do paciente torna-se essencial. O envolvimento do paciente permite que ele se aproprie de sua saúde e conduz à formação de uma consciência sanitária que se estende para as demais questões sociais que vivencia.

Christiane Lima e Marly Santos

 Exemplo  de roda de conversa sobre saúde que produziu bons resultados:

 http://redehumanizasus.net/node/10888

Matelândia, no oeste paranaense, conseguiu reduzir em 50% o consumo de medicamentos e conquistar a população promovendo rodas de conversa e valorizando a história de cada usuário. Prestes a completar apenas 50 anos de fundação, a jovem Matelândia conta com um sistema público de saúde de fazer inveja a boa parte dos municípios brasileiros – no qual se destaca uma rede de atenção básica que chama atenção por seu atendimento resolutivo e humanizado.

“A população aqui da região enfrenta muita dificuldade e percebemos que 40% dos casos que os usuários traziam à unidade não diziam respeito a nenhuma patologia específica, mas a uma necessidade de orientação, desabafo, suporte. Chegamos então à conclusão de que grande parte desses casos dizia respeito a questões de saúde mental”, conta MarenilceMezzomo, técnica de enfermagem que integra a equipe fixa da Vila Pasa.Para enfrentar a questão, a USF deu um passo além do trabalho costumeiro de uma unidade básica de saúde: ampliou sua equipe, acionando assistentes sociais e psicólogos oferecidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Matelândia como apoiadores matriciais – modelo que oferece ainda profissionais como pediatras, ginecologistas e fisioterapeutas – e apostou em iniciativas complementares à rotina de prevenção e promoção de saúde.

O projeto “Rodas de Conversa em Saúde” foi uma das estratégias adotadas. Em atividade desde 2006, a iniciativa promove rodas de conversa nas quatro grandes zonas de saúde do município, que contam com a participação da população local e dos profissionais de saúde mental de cada uma das quatro equipes.

“A idéia das rodas de conversa foi montada a partir da necessidade de dar resposta à demanda de saúde mental das unidades”, explica a psicóloga Monica Mombelli, que coordena o projeto. “A idéia é que as rodas sejam espaços de escuta ao usuário, de acolhimento e estabelecimento de vínculo, assim como uma estratégia de desmistificação da função do psicólogo, já que muitas vezes o usuário precisa recorrer ao psicólogo mas acaba não fazendo isso por razões culturais”.

Os resultados do trabalho já podem ser sentidos: melhora da auto-estima e autonomia dos usuários envolvidos e difusão de práticas saudáveis são alguns dos produtos das rodas. Nas unidades básicas de saúde de Matelândia, os bons frutos têm se traduzido em índices como a redução do fluxo de usuários e do consumo de medicamentos.

 Esses exemplos de rodas de conversas que integram gestores, funcionarios e usuários que permite troca de experiêncas, e coloca o usuário na gestão  do processo da saúde, é muito importante porque só se produz saúde quando o individuo é implicado num processo em que ele esta inserido.

Essas estratégias de roda de conversa que dão certo, aparece num momento em que tanto se tem chamado atenção para o consumo exagerado de farmacos, marcados pela crença de que é possivel encontrar saúde em produtos vendidos em drogarias. Uma construção negativa do conceito de saúde que está conduzindo nossa sociedade a uma dependência farmaceutica.

 

 

PENSAR O HOMEM, PENSAR POLÍTICAS, PENSAR A VIDA…

No contemporâneo dizer da saúde tornou-se sinônimo de dizer da vida. Então, em nome dessa saúde, que é um dos pilares da nossa sociedade, inventamos formas de lidar com as políticas que muitas vezes negam a vida. Porém é preciso demarcar que essas instâncias não são sinônimas. Claro que a saúde é um fator presente na vida; porém quando são tomadas por semelhantes podem acarretar práticas dissociadas da vida dos sujeitos. A guisa de exemplo, abordar um sujeito que está com verme reduzindo o tratamento ao sentido medicamentoso pode abreviar a sua realidade, muitas vezes sem saneamento básico. Bem como o discurso impositivo da saudabilidade; assim TEMOS que malhar, ver filmes, comer e beber coisas em detrimento de outras, sempre em nome da saúde, logo da vida. Assim essas práticas tecem uma vida que não se conecta com aquilo que diz de mim.

“Uma nova política que pense a relação do homem com a vida” (MOSÉ, p. 21)

É com essa citação de Viviane Mosé que gostaríamos de pensar as políticas de assistência farmacêutica e colocar em questão: que vidas são essas que queremos fortalecer? Vidas Dignas e que valem a pena ser vividas ou vidas meramente biológicas e que se criam na manutenção do mínimo? A vida que queremos fortalecer é uma vida que se forja na autonomia.  Nesse sentido se torna fundamental discorrer análises sobre as políticas que perpassam esse contexto.

A autonomia aqui é usada no sentido de relação com o outro e não num egocentrismo.  Assim o que se propõe com esse termo é se apropriar um dispositivo onde todos tem um certo conhecimento e propriedade expositiva acerca do que se passa, assim todos são ativos e engendram um processo terapêutico de outra ordem.

As realidades de trabalho empenhadas na saúde, em sua maioria, são piramidais, verticalizadas e hierarquizadas. Isso diz da forma de lidar com os pacientes, haja vista que estes seriam os últimos nessa escada. Portanto, dizer de práticas transversais, que rompem com a verticalidade, é produzir um paciente atuante no seu processo terapêutico é “trabalhar com a perspectiva de que a transversalidade da relação profissional-usuário é potente à transformação social necessária” (IGLESIAS, 2009, p. 57). Convidá-lo a participar é antes de tudo uma forma digna de tratamento pois, como diria Foucault em Deleuze, nada mais indigno que dizer em nome do outro  (MACHADO, 2009). Falar de si é uma alternativa que deve compor essa relação entre usuário, prescritores e dispensadores de medicamentos não só por que é o usuário quem sabe o que se passa consigo, mas também por que ele traz visões sobre o trabalho dos prescritores e dispensadores que podem, e são, úteis na construção contínua dessas políticas. Romper com a representação e convidá-los a falar de si seria um grande passo para modificar essas indignidades presenteficadas nessas grandes políticas que gerem a vida.

Colocar em debate essas relações é pensar também, na forma de transmissão das informações que circulam entre os usuários, os prescritores e os dispensadores. Quando tomamos o paciente como mero depositário de informações estamos deixando de lado a potencialidade criativa de novos dispositivos de lidar com a realidade. Por isso é preciso que a singularidade do indivíduo e do cotidiano estejam sempre costurando as práticas, indo sempre além de utilizações técnicas e teóricas. Pois pensando novamente no idéia de autonomia, torna-se muito importante “o fortalecimento da saúde por meio da construção da capacidade de escolha” (CZERESNIA, 2003, p. 48).

E para encerrar nosso post, ficamos com uma música do poeta Gonzaguinha que em seus versos canta a vida do povo. Nessa música em especial ele nos aponta que a saúde está intimamente ligada à vida, e que para fazermos seu uso precisamos nos conhecer para nos respeitar.

http://www.youtube.com/watch?v=54GDQDH4fHM

 

CZERESNIA, D. Promoção da Saúde: conceito, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.

MOSÉ, V. Nietzsche e a grande política da linguagem. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2005.

IGLESIAS, A. Em nome da Promoção à Saúde: análise das ações de macrorregião do município de Vitória – ES. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória – ES, 2009.

MACHADO, R. Deleuze, arte e filosofia. Rio de Janeiro. Ed zahar, 2009.

 

Alana Caliman, Alana Pereira e Antônio Martins.

 

Exposição sobre a História da Medicina no Espírito Santo no Centro Cultural Majestic (dia 11/10/2010)


“A mesa-redonda sobre Medicina: da Filantropia a Alta Tecnologia ocorrerá no Centro Cultural Majestic
O Centro Cultural Majestic e a Secretaria de Cultura de Vitória (Semc) promovem, nesta terça-feira (23), das 9 às 12 horas, mesa-redonda sob o tema Medicina: da Filantropia a Alta Tecnologia. O evento, que acontece na sede do Majestic (rua Dionísio Rosendo, 99, Centro), tem entrada franca e faz parte do projeto História Viva, iniciado em 2006 com o apoio da Lei Rubem Braga, da Prefeitura de Vitória.
O objetivo do encontro é relembrar a época em que ‘a medicina tradicional mantinha a relação médico-paciente na base da camaradagem’, até chegar aos dias atuais, quando as tecnologias na medicina dão novos rumos aos procedimentos com tratamentos de primeiro mundo em modernos centros médicos.
Toda a trajetória da medicina capixaba e curiosidades inusitadas serão relatadas nesse encontro, que terá a mesa-redonda composta pelos médicos João Luiz de Aquino Carneiro, Luiz Buaiz, Paulo Jorge da Fonseca Bonates e Antonio Alves Benjamim Neto.
A programação prevê, ainda, homenagens especiais aos reconhecidos profissionais da área de saúde: Victor Santos Neves, Aprígio da Silva Freire, Douglas Puppin, Schariff Moysés e José Carlos Saleme.
‘A idéia é trazer a memória das pessoas, a história do centro de Vitória, mas não simplesmente mostrando monumentos arquitetônicos. Queremos humanizar essa homenagem com os personagens que fizeram e fazem parte da história da cidade’, afirma a presidente do Centro Cultural Majestic, Astrid Maria Câmara Gomes.”
http://vitoria.acharei.com.br/prefeitura/vitoria/espirito_santo/61/historia_da_medicina_no_espirito_santo_e_tema_de_debate_no_majestic.html
              Com essas palavras é divulgado a exposição em agosto de 2009 e que pudemos ver (ou rever) na última segunda-feira, dia 11 de outubro de 2010.
Expondo o que foi visto:
               A exposição era composta por duas partes, uma sequência de fotos trazendo partes importantes da história da medicina no Espírito Santo e uma apresentação de um vídeo contendo as falas dos convidados e homenageados especiais.
               Nas fotos pudemos ver fotos de uma sequência cronológica, e fotos sem datas com legendas relacionando com a história da medicina no estado.
1905 – Inicio das obras de construção da Santa Casa de Misericórdia na Praia do Suá em Vitória.
1910 – Lançamento das obras da Santa Casa de Misericórdia em seu local definitivo.
1934 – Santa Casa de Misericórdia – Direção das Irmãs Viscentinas ( foto das irmãs Viscentinas em frente à Santa Casa).
Hospital São Pedro – atual pronto atendimento municipal – primeira tentativa de implantação de um hospital das clínicas da Universidade.
Obra social Santa Luzia – atual Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia (EMESCAM).
Diretoria da Associação Feminina de Combate ao Câncer (Afecc) – Liderou a campanha para construção do Hospital Santa Rita de Cássia.
1967 – Lançamento das obras do Hospital Santa Rita de Cássia.
               No vídeo pudemos ver como é dito na divulgação “…a memória das pessoas, a história do centro de Vitória, mas não simplesmente mostrando monumentos arquitetônicos. Queremos humanizar essa homenagem com os personagens que fizeram e fazem parte da história da cidade”. O intuito da fala dos homenageados não era uma exposição histórica da medicina no estado, mas sim o relato sobre suas vidas na medicina no estado.
                Um dos homenageados especiais diz que os estudantes de medicina hoje têm uma concepção de medicina diferente da que existia antigamente, e completa que não existe mais a proximidade entre médico e paciente que existia, o que ruma na direção do trecho da divulgação que diz “época em que ‘a medicina tradicional mantinha a relação médico-paciente na base da camaradagem’, até chegar aos dias atuais, quando as tecnologias na medicina dão novos rumos aos procedimentos com tratamentos de primeiro mundo em modernos centros médicos.”
                O trecho do texto da divulgação que diz que “O objetivo do encontro é relembrar a época em que ‘a medicina tradicional mantinha a relação médico-paciente na base da camaradagem’, até chegar aos dias atuais, quando as tecnologias na medicina dão novos rumos aos procedimentos com tratamentos de primeiro mundo em modernos centros médicos.” Ruma na direção da fala de um dos homenageados especiais quando diz que hoje os estudantes de medicina têm uma concepção diferente de medicina, enfatizando também a falta da proximidade entre o médico e o paciente. Um dos convidados a compor a mesa-redonda expõe em sua fala este distanciamento também, ele diz que “alta tecnologia (tema da mesa-redonda da exposição) é a própria escuta do paciente”, o que tem sido perdido com o tempo, expondo uma visão de medicina não puramente ligado à tecnologia maquínica.
                 Uma fala de outro dos homenageados especiais diz que “graças à tecnologia estamos criando uma população idosa”, o importante é saber se essa população mais idosa tem sido atendida corretamente, saber se essa população tem sido ouvida, saber se essa população tem a alta tecnologia da medicina, a escuta dos médicos, que como foi expresso tem se perdido na medicina, em seu benefício.
Vladmyr Miroslav P. Lobianco e Dayana C. P. Dutra

A medicalização como estratégia biopolítica: um estudo sobre o consumo de psicofármacos no contexto de um pequeno município do Rio Grande do Sul. (Discussão da aula em 13/09)

A medicalização como estratégia biopolítica: um estudo sobre o consumo de psicofármacos no contexto de um pequeno município do Rio Grande do Sul. Procuramos pensar o que se quer dizer com medicalização, como se dão seus efeitos e o que a legitima e a mantém.

Medicalizaçao entendida como aplicação de quaisquer procedimentos médico a um paciente passivo e desdobramentos em produção de controle do social, assujeitamento e poder.

Esse poder médico sobre os corpos e sobre sua docilidade se faz presente na vida das pessoas com conceitos de normalidade, desvio, anomalia, anormalidade e tratamento para esse algo desviante.

Esse contexto traz vetores sociais, morais e de diversas outras dimensões que se agenciam e produzem sentidos de experiência de vida, produzindo subjetividade.

Posteriormente discutimos a necessidade de se trazer uma retrospectiva histórica acerca das estratégias de biopoder em sua origem teórica, na França foulcaltiana. E que os estudos focados em contextos distintos, como por exemplo na pesquisa  realizada no município de Boa Vista das Missoes no RS, onde se associou política pública de saúde com biopoder. De maneira a configurar assistencialismo, paternalismo, dependência, individualismo, imediatismo,  intolerância ao sofrimento. Todos esses aspectos legitimando e mantendo as praticas medicamentosas.

A saúde passa a ser encarada como uma mercadoria que pode ser consumida na forma de remédios, e há um sentimento de gratidão muito forte relacionado à medicamentação.

O que anda contra o princípio e o entendimento de produção de saúde como produção de vida. Vida que considera os sentidos das subjetividades, considera os aspectos da experiência e do bem-estar, a religião, a ética, a arte, e as maneiras de se existir no mundo.

A medicamentação na pesquisa é vivenciada como neutralizador, bloqueador de sintomas e insatisfações/dores, o que cala as denúncias dos processos agressores à vida e mantem os processos produtores de sofrimento intactos e não questionados, na medida em que o isolamento e a individualização das questões produz a despolitização do incomodo e enfraquece os movimentos instituintes.

Nesse contexto ocorre a patologizaçao da diferença, as demandas e as insatisfações são individualizadas e submetidas ao mercado do consumo médico medicamentoso.

As pessoas atualmente estão preocupadas em estarem “normais” para a agitação da vida que muitas vezes se esquecem de cuidar de si e de seus sintomas optando por algo imediato para solucionar seus problemas, e existem inúmeros remédios que proporcionam essa “cura”, mas uma “cura” não preocupada com causas e sim com a eliminação do sintoma.  

Hoje as pessoas não se aceitam sentindo tristezas, depressões, stress, pois existem várias formas (fórmulas) para solucionar esses “problemas” de forma rápida. E acabam não tratando o que está por traz do sintoma, sendo que esse recurso rápido muitas vezes podem causar outros problemas maiores.

A medicalização parece estar acima de qualquer saber, pois o saber médico é o superior, e muitas vezes se agencia nos corpos como saber transcendente, ocorre assujeitamento a ele e produção de dependência.

Essa dinâmica evidencia um processo micropolítico que mantem as molaridades, uma luta política de forças fluxo de vida que se acoplam muitas vezes a instituições muito engessadas, às formas instituídas de lugar de poder e de especialismo medico. 

E esse lugar de especialismo médico  é produtor de discurso e de doença, produtor enquanto classificador de diferenças, homogeizante e intolerante à imanência de cada processo humano.

E nesse vídeo no Youtube podemos perceber como esse processo produtor de doença se constitui através de um lugar de especialismo portador de um discurso que deslegitima outros.

http://www.youtube.com/watch?v=U5NsCkSXBkc&feature=related

“Aparição do Viagra na cena pública brasileira: discursos sobre corpo, gênero e sexualidade na mídia” (discussão da aula do dia 27/09/2010)

Ao pensarmos na chegada do Viagra ao Brasil em 1998 e o seu apelo midiático, podemos observar um mecanismo comum não só em produtos médicos, mas que é bem próprio do capitalismo moderno – a geração de mercado de consumo antes da comercialização propriamente dita. Um exemplo muito parecido aconteceu com a chegada da TV ao Brasil, muitas pessoas correram para comprar seus televisores na década de 50 quando nem existiam transmissoras no país, sendo assim as pessoas tinham a TV, mas não tinham imagem para ver. Porém, sendo o Viagra um medicamento e, mais que isso, um medicamento ligado diretamente ao funcionamento sexual, temos algumas questões a serem pensadas.

De acordo com Brigeiro & Maksud em seu artigo sobre a chegada do Viagra ao Brasil, esse medicamento foi alardeado como um elixir da juventude, uma solução para as “falhas sexuais” responsáveis pela tristeza e insatisfação advindas de uma vida sexual deficitária. Assim podemos dizer que o Viagra para além do seu simples efeito vaso-dilatador ganhou aspectos simbólicos de um salvador.

Segundo os autores, houve, muito antes da chegada propriamente dita do medicamento às farmácias brasileiras, uma hiper-exposição midiática. Esse mecanismo, muito comum na divulgação de produtos da indústria famarcêutica, foi potencializado, pois a propaganda estava operando com medos antigos ligados ao símbolo da masculinidade. Era como se, de uma hora para outra, o peso de carregar o fardo da manutenção de um desejo insaciável e sempre alerta (símbolo tradicionalmente machista da sexualidade masculina) pudesse ser resolvido na farmácia mais perto de casa. Alavancados pela existência farta desse sentimento entre homens brasileiros (uma vez que somos culturalmente reforçados como seres muito sexualizados) a mídia começou a bombardear notícias sobre esse novo medicamento milagroso e seu sucesso nos Estados Unidos. Tal processo ante de ser uma simples manipulação da “opinião pública”, fez com que o processo de liberação do medicamento pelo Ministério da Saúde fosse muito agilizado a despeito dos precários estudos a respeito dos efeitos colaterais desse fármaco. Vale lembrar que nessa época o Ministro da Saúde é o atual candidato à Presidência, o senhor José Serra.

Junto com o surgimento do Viagra vimos a passagem sutil da denominação “impotência sexual” para a “disfunção erétil”, mudança que se faz sutil na estratégia lingüística, mas que opera uma modificação etiológica drástica. A partir daí, saem de cena as explicações psicodinâmicas e hegemonizam-se as causas orgânicas, colocando a sexualidade no caldeirão normativo da medicina-organicista. No caso específico do Viagra, a conjunção meio de comunicação em massa e comunidade científica como mecanismo de forte poder de significação social fica muito evidente, pois a questão sexualidade como um fato médico e o Viagra como solução passou a habitar todas as colunas dos jornais, desde os artigos “sérios”, passando pelas charges, pelo setor de economia, chegando à sessão de esporte.

Como em outros âmbitos, a sexualidade no contemporâneo está passando por um filtro discursivo que cria determinações do que é o comportamento saudável, normal, aceitável. Esse processo tem como motor explicações organicistas e, por conseguinte terapêuticas medicamentosas “claras, eficazes e curativas”. Porém, no caso do Viagra em específico, o que está acontecendo no plano simbólico é a disseminação de um modelo de masculinidade naturalizada como excessiva. Só existe o homem que “dá conta do recado”, “que está sempre pronto”, uma série de preconceitos, responsáveis inclusive por muitas impotências, são utilizados como motor de um mercado que se utiliza da falácia da resolução rápida dos problemas de comportamento.

Nesse sentido é a heterosexualidade, o sexo como penetração penis – vagina, que está sendo naturalizada como forma saudável de vida sexual. Isso caiu como uma luva para a sociedade brasileira, que, além de machista, dá um lugar privilegiado a sua auto-intitulação de seres “muito sexuais”. Assim o Viagra rapidamente virou assunto dominante no Brasil, muito antes até de chegar efetivamente às prateleiras das farmácias brasileiras. Virou piada, música, artigo, pois lida com auto-imagem do homem brasileiro, sustentada pelo apelo moral da masculinidade como sexualidade interminável.

Nesse momento nos surge um paradoxo, pois se você precisa de Viagra é porque você não tem mais essa virilidade… No começo, as pessoas (na sua grande maioria idosos) tinham vergonha e cuidado ao comprar o medicamento, não por seus efeitos colaterais que poderiam ser muito perigosos, mas mais pelo medo de ter essa imagem de virilidade desconstruída.

Mas a popularidade do Viagra está intimamente ligada a dois outros fatos, de um lado ele se apresentava como uma solução muito mais rápida e eficaz às outras terapêuticas (cirurgia e psicoterapia), do outro a própria máquina publicitária das indústrias farmacêuticas, que consegue fazer propaganda de hemorróida em horário nobre com uma linda moça andando a cavalo… daí para vender um remédio milagroso para impotência nem precisa apelar tanto.

Um subproduto (não tão sub, mas com certeza bem produto) da disseminação do Viagra foi a utilização desse medicamento por jovens. Não entraremos numa discussão pormenorizada desse fato, mas só pontuando que o Viagra é um vasodilatador atuando principalmente pelo aumento de freqüência cardíaca. Jovens, procurando aumento de potência passaram a tomar o medicamento junto com álcool e outras drogas. Se for utilizado por eles, somente o fármaco sem misturas, os riscos de um ataque cardíaco fulminante aumenta muito, no caso apontado em que jovens misturavam com álcool – os riscos são imensos. Mas será que isso era uma preocupação para Pfizer?

Viagra feminino


 

O uso de medicamentos com o objetivo de melhorar o desempenho sexual sempre esteve direcionado ao público masculino, sendo o Viagra o mais conhecido no mercado (inclusive o próprio Viagra foi utilizado por mulheres). Entretanto a “disfunção sexual” feminina vem ganhando seu espaço. O Femtrex é um medicamento que está circulando pelos meios de comunicação como sendo o Viagra Feminino, sendo conhecido como “Pílula Rosa”.

O Femtrex, de acordo com os sites que promovem a sua venda, gera um aumento do desejo sexual da mulher, elimina a secura e a falta de lubrificação vaginal, supera a incapacidade de atingir orgasmos mais longos e potentes.

O Fentrex, da mesma forma que o Viagra Masculino, vem sendo apresentado como pílula mágica para resolver o problema da sexualidade. Esse tipo de pensamento vinculado ao medicamento pode ser percebido nas seguintes falas: “O Femtrex ajudará: a esquecer o sentimento de cansada e o mal humor ” “… abre suas portas de paixão e lhe permite provar um grau de prazer e de resposta sexual que tinha pensado durante muito tempo que era inatingível ou que não fora possível!” (http://www.ventausa.com/theproducts.cfm?cat=80&master=7338&owner=739).

Os medicamentos vinculados ao desempenho sexual fazem promessas que vão além do seu real efeito. As pessoas são levadas a pensar que ao consumirem esses medicamentos estarão livres de todo tipo de problema. A publicidade que vincula esses medicamentos ignora os motivos que impedem a satisfação sexual do indivíduo. Nesse contexto, é importante ressaltar que, além dos aspectos orgânicos, os aspectos psicológicos possuem grande relevância na obtenção do prazer. Vale dizer que a sexualidade feminina está muito mais relacionada a fatores emocionais e comportamentais. Medos, bloqueios, estresse, cansaço, preconceitos, vergonha ou inibição de tocar o próprio corpo e mais um monte de fatores podem influenciar o desejo, a excitação e o orgasmo feminino.

 

Considerações Finais

O que observamos nesse processo todo é que há um projeto patologizante que perpassa o contemporâneo e, na maioria das vezes, esse projeto lança mão de modelos simbólicos tradicionais e preconceituosos. No caso do Viagra em específico, pressupõe-se certo modelo de ser homem (dominador, selvagem, insaciável), certo modelo de ser mulher (passiva, receptora), resumindo o homem a sua potência sexual e a mulher a sua capacidade de estar lubrificada. Perde-se assim toda uma dimensão da vida sexual que não está descolada da vida como um todo.

Nesse processo, a mídia alinhada com o discurso científico tem um papel primordial, mas antes de dizer que o povo tem a mídia que merece devemos pensar que muitas vezes o povo aprende o que merece pela mídia.

Por Ana Paula Mattedi, Getulio S. S. Pinto, Gustavo Albergaria e Nailani Fabris

“Medicalização de Mulheres Idosas e Interação com Consumo de Calmantes” (Discussão – aula do dia 20/09/10)

Pense por um instante nas pessoas mais próximas à você, sua família, seu círculo de amigos, etc. Agora tente pensar na relação que estas pessoas possuem com medicamentos, as que usam medicamentos frequentemente, ou àquelas que usam esporadicamente. Como se dá esse uso? Que efeitos eles almejam e para que fim são usados? Já é mais do que familiar ver a relação que nossas mães, tias ou avós se medicam e espalham dicas e costumes medicamentosos no meio social.  Como sempre ouvimos de nossos pais ou avós:  “de médico e louco, todo mundo tem um pouco”.

Após leitura e consequente discussão em sala de aula do artigo “Medicalização de Mulheres Idosas e Interação com Consumo de Calmantes”, se fez necessário um questionamento acerca do assunto. O artigo mencionado teve por objetivo o estudo entre gênero, envelhecimento e  consumo de calmantes, e como esta interação com os medicamentos se dá. Faz-se relevante relatar que a pesquisa tratou de estudar um grupo de 18 mulheres idosas, e percebeu-se a intensificação do uso de medicamentos em relação à problemas cotidianos.

A mulher é vista como promotora de bem-estar, mas ao chegar à terceira idade, essa concepção muda. Uma vez que a figura do idoso – incapaz, velho, inábil, debilitado… – associada à figura da mulher – passiva, frágil, cuidadora… – agencia novas atitudes frente aos idosos.

A mulher, socialmente construída como “corpo frágil”, passiva e alheia às coisas da vida, é submetida muitas vezes a um ”machismo social”; mas paradoxalmente ela é ativa na relação saúde-medicamento.

Paralelamente acontece a exaltação de uma “beleza humana”, considerada chave de toda adequação social; essa mesma mulher, já idosa, participa, exalta e cuida de sua beleza como se essa tal demanda existisse desde sempre, e suas próprias particularidades são ignoradas. O sujeito ocupa para si um lugar que antes não era seu, ou mesmo nem lhe encaixa. Os preconceitos criam um espaço que não está organizado para lidar com características típicas da velhice. O que se faz então? Negligenciar nosso próprio futuro?

Contraditoriamente, com o envelhecimento, esse espaço pressiona a mulher idosa a se colocar de um outro ângulo e exige-se  formas ainda mais opressivas, ou seja, fortifica-se a idéia de uma Super-Mulher com o objetivo de dar conta de todos os problemas e preocupações típicas da idade ou não, e ainda ser bela.

A mulher é chamada a encarar o corpo da Super-Mulher e, com seu comprimido na mão, ela é fortificada e se faz útil. À Super-Mulher é esperada que se cumpra algumas missões – como cuidadora é necessário resolver problemas de filhos já casados, cuidar e medicar o marido (sim, ela “conhece” os remédios e medica se for preciso!), superar todos os conflitos e os problemas “da idade”, estar sempre bem e permanecer CALMA. Não é permitido à Super-Mulher a falha, o erro, o esquecimento e o desligamento das questões preocupantes da vida. Se faz necessário combater o tempo, o envelhecimento e suas particularidades.

Não aceitamos a falha de  qualquer super-herói, e se este não cumprir o que lhe é imposto? Como reagimos? É, somos ativos também na construção desse processo; exigindo adequação,  despotencializando mudanças, anulando singularidades.  Quando há falhas e erros, estes devem ser reparados.

Esse medicamento, visto como positivador das relações, é a válvula de escape – “o tapa buraco” – responsável pelo “dar conta” dos processos da vida. Os calmantes, como o próprio artigo vem mencionar, são consumidos por essas mulheres como única resposta possível aos problemas relacionados ao envelhecimento, os combustíveis para a vida.

Ocorre em grande parte das vezes a auto-medicamentação. Essas mulheres, já “familiarizadas” com o tratamento medicamentoso, se auto-medicam e medicam seus familiares e/ou amigos. Dissipa-se assim entre outras pessoas essa medicamentação inadequada.

A vida é colocada em tratamento medicamentoso. A correria do dia-dia, as dificuldades em enfrentar as situações da vida tornam o remédio o tratamento mais aceito por essas idosas, e a  inadequação do uso dos medicamentos torna os sujeitos dependentes de tais práticas.

A noção de bem-estar está imbricada com a medicamentação, o bem-estar como uma possibilidade de sempre estar curando, como se sempre houvesse algo para curar; a promoção de saúde é a distribuição de remédios. Mas se há saúde, há vida e há doenças, medicalizamos a própria vida a fim de pensar que estamos promovendo saúde.

As práticas psicoteráticas são deixadas de lado, e a resolução por meio do medicamento parece, para grande parte dessas mulheres, mais eficaz. O passar do tempo, suas vivências e experiencias são “despositivadas” e cristalizam-se, dissolvendo-se em comprimidos instantâneos de humor.

Os remédios são pílulas as quais “só promovem” reações boas ao organismo, e as políticas públicas e propagandas reafirmam e difundem essa idéia. Propagandas, filmes, revistas e entre outros meios de comunicação sustentam um ideal utópico de vida saudável – sempre jovem, magro… – adequado para produzir e reproduzir para o sistema sócio-econômico vigente.

Essa medicalização com consequente medicamentação impede o sujeito muitas vezes de criação, de produção de seu próprio movimento em seu espaço e singularidade. A singularidade, produzida diante dessas mudanças rearranjadas, é medicada, muda, artificial. Diante de todas as missões propostas para nossa Super-Mulher, se faz necessário que esta venha a ressignificar essa fase e permanecer calminha, calminha…

A fim de ilustrar e complementar o post, abaixo seguem uns vídeos de propaganda publicitária  e animação:

Por Fernanda Vieira Biajoli e Noelli Vairo Martins